quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Para advogado, derrota de Kamel em ação contra ex-editor do JN é referência importante

Marco Aurélio Mello é um dos blogueiros de quem o executivo da Globo cobra indenização por "danos morais". Para advogado, ao julgar pedido improcedente, TJ cria referência em favor do jornalismo independente



Imagem da RBA



O jornalista Marco Aurélio Mello conseguiu uma importante vitória para a liberdade de expressão no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em decisão unânime, os desembargadores da 10ª Vara Cível consideraram improcedente pedido de indenização por danos morais em processo movido pelo diretor-geral de Jornalismo da Rede Globo de Televisão, Ali Ahmad Kamel Harfouche. Em ação iniciada em 2013, Kamel pleiteou, sem sucesso, o pagamento de R$ 30 mil por se considerar ofendido por textos publicados por Mello em seu blog DoLadoDeLá.

Marco Aurélio Mello tem larga experiência em televisão e foi por 12 anos funcionário da Globo, até ser demitido, em março de 2007, depois de ocupar por quatro anos a função de editor de Economia do Jornal Nacional. Na casa, trabalhou também como editor no Jornal da Globo e do Bom dia Brasil. Mello fez parte do grupo de jornalistas que se recusou a firmar abaixo-assinado que circulou na emissora em defesa da conduta do jornalismo global nas eleições presidenciais do ano anterior.

O diretor-geral de Jornalismo da empresa reclama em seu processo considerar-se ofendido moralmente pelo fato de o "réu" ter escrito no blog, já desativado, que Kamel manipulava as notícias de forma inescrupulosa e desonesta, além de assediar moralmente os subordinados, grampear telefones e invadir e-mails.

O conteúdo crítico ao jornalismo dirigido por Kamel esteve também presente, sobretudo, após as eleições de 2006, em textos de outros jornalistas que passaram a adotar a internet como veículo de informação independente, como Rodrigo Vianna (Blog Escrevinhador), Luiz Carlos Azenha (Viomundo), Paulo Henrique Amorim (Conversa Afiada), Luis Nassif (Jornal GGN) – todos são alvos de processos movidos por Ali Kamel. Em seu despacho, o desembargador Celso Luiz de Matos Peres assinala que o executivo da Globo é "demandante contumaz na seara da reparação moral" em pleitos dirigidos em face de blogueiros e jornalistas, que a partir de 2009 teriam iniciado uma "campanha difamatória" contra ele. "Pretensão autoral manifestamente improcedente", afirma o acórdão.

A decisão, proferida no último dia 25, segue o relatório do desembargador Celso Luiz de Matos Peres, e anula a de primeira instância, que acolhia o pedido de Ali Kamel. Segundo o advogado de defesa de Mello, Vitor Cardoso, a unanimidade alcançada no colegiado do TJ dificultará a revisão da sentença em instâncias superiores e pode representar uma importante vitória em para o exercício da liberdade de expressão e o exercício da crítica, contra a judicialização do debate político.

"O texto do acórdão relatado pelo desembargador revela uma decisão muito consistente tecnicamente. O desembargador demonstrou ter dado importância de fato ao processo, com muito conhecimento do que está nos autos e também com a realização de pesquisas por conta própria", diz Cardoso.

O relatório cita que tanto Mello como Kamel são jornalistas conhecidos e respeitados nos meios de comunicação e observa que Kamel também divulga opiniões e trabalhos como escritor. Depois de citar diversas obras do diretor da Globo, o desembargador Matos Peres afirma: "Percebe-se, portanto, que como jornalista e escritor, o autor (Kamel) bem sabe da necessidade da construção de um pensamento crítico a respeito das questões da sociedade e o quanto é saudável para a população poder confrontar opiniões e posicionar-se em tal ou qual sentido justamente em função desse direito constitucional de liberdade de expressão e de imprensa".

Ao elogiar o acórdão da segunda instância, o advogado avalia com ponderação a decisão de primeira instância que havia acolhido o argumento do diretor da Globo. "Os processos envolvendo as empresas de mídia não são fáceis porque existe uma cultura propagada por elas próprias na sociedade de que são isentas e não têm posição política e ideológica. Nem sempre a sociedade percebe que isso é um mito. Há uma uma geração de juízes formados sob essa cultura e a primeira instância não tem culpa de acreditar em algo que a própria imprensa cultiva", analisa Cardoso. "Judicializar a luta e o debate político deseduca. Não existe mídia isenta, e caberia ao atores da mídia assumir que têm lado e posição, e chamar a atenção para e existência do contraditório é serve até para que não prospere a autoproclamação de isenção dos que não são isentos."

Em seu relatório, o desembargador menciona uma "seção especial" em que a página de Ali Kamel na internet lista "ações" de blogueiros que, a partir de 2009 teriam iniciado campanha difamatória, "todos jornalistas, assim como o apelado, ao estilo de uma verdadeira Teoria da Conspiração, não se podendo, contudo, classificar todos os posts, em bloco, como difamadores, devendo cada conduta ser analisada isoladamente", pondera o magistrado para então considerar "não haver qualquer possibilidade de acolhimento da pretensão autoral, tendo em vista que pretende o autor reprimir o conteúdo da publicação de autoria do réu, tão-somente porque inserido num cenário de crítica, seja contra seu atual empregador, seja contra a própria figura do demandante como diretor jornalístico de uma das maiores redes de TV, não podendo se extrair efetivo dano experimentado pelo apelado, nem mesmo grave constrangimento decorrente dos termos utilizados pelo réu no texto impugnado, a justificar a condenação ao pagamento de indenização a título de reparação moral".

Em sua conclusão, ao negar pedido de indenização de Kamel e reconhecer a atuação de Mello como manifestação do livre exercício do direito de expressão e manifestação do pensamento, amparado na Constituição, o desembargador anota: "A situação fática pode ser classificada como mero dissabor, até porque o autor também é jornalista e como tal também expressa opiniões polêmicas em suas publicações. Assim, a sentença de primeiro grau merece reparo, impondo-se a total improcedência do pleito autoral".

O advogado Vitor Cardoso considera que se as empresas de comunicação assumissem sua parcialidade – em função dos interesses políticos e econômicos em jogo – seriam mais coerentes com a credibilidade que o negócio da comunicação exige. "O problema é que a multiparciliadade das narrativas põe em xeque essa credibilidade, o que passa a ser visto pelas empresas como risco de prejuízos comerciais. O contraponto político não só é saudável como também cria um incômodo comercial. Daí a judicialização do debate político e da exposição do contraditório."


Para o jornalista Marco Aurélio Mello, hoje gestor de conteúdo na TVT, a decisão abre um precedente importante "para reverter dezenas de outras ações que tentam calar jornalistas independentes" em todo o país. "Por esta razão, mais do que uma vitória pessoal, considero um passo importante para a garantia de um direito consagrado em nossa Constituição Federal." 

Fonte: redebrasilatual.com.br



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