Mostrando postagens com marcador bunker. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador bunker. Mostrar todas as postagens

domingo, 27 de abril de 2025

Arthur Schopenhauer: Por que Pessoas Inteligentes Assustam a Sociedade

Por Canal Razumov BR


Por que pessoas inteligentes são rejeitadas? A Filosofia de Schopenhauer explica.

Você já se sentiu deslocado por pensar demais ou perceber coisas que ninguém mais parece notar? Neste vídeo, explore uma reflexão profunda baseada nas ideias de Arthur Schopenhauer sobre o isolamento de pessoas inteligentes e o desconforto que elas provocam na sociedade. Descubra por que a lucidez assusta, por que o mundo valoriza o conforto acima da verdade e como isso afeta quem vê com mais clareza.


O que você vai entender neste vídeo:

 • Por que a inteligência incomoda mais do que encanta

 • Como o efeito rebote e o pensamento de grupo sabotam a escuta de ideias profundas

 • O impacto das redes sociais na rejeição de quem pensa fora da curva

 • Por que nomes como Sócrates, Galileu, Nietzsche, Tesla e Turing foram ignorados em vida

 • Estratégias para lidar com o isolamento intelectual e se conectar com pessoas que pensam como você

Prepare-se para repensar a forma como você se relaciona com o mundo, com suas ideias e com o silêncio que muitas vezes cerca quem ousa pensar diferente. Este vídeo é um convite à coragem de continuar sendo lúcido, mesmo quando isso incomoda.

Se esse tema fala com você, deixe seu comentário dizendo de onde está assistindo e compartilhe como tem sido sua experiência com o pensamento profundo. Inscreva-se no canal, ative o sininho e deixe seu like para acompanhar mais reflexões sobre filosofia, psicologia e consciência.


VÍDEO

"...se você já sentiu que ver demais te afastou dos outros talvez Schopenhauer te ajude a entender que o problema nunca foi você, foi o mundo que não suportou o que você enxergava. Entender demais é quase um pecado social..."



terça-feira, 21 de janeiro de 2025

As Origens da Ideologia Mais Mortal do Mundo | Prof. David N. Gibbs

Realmente esse foi um excelente trabalho de utilidade pública prestado pelo Canal Neutrality Studies Português.

Essa entrevista traduzida para o português denuncia algo não falado pela mídia hegemônica sobre uma ideologia que move mentes e corações, e principalmente capital financeiro e poder em todo o planeta, os neocons.


"O neoconservadorismo é uma ideologia incrivelmente brutal e sedenta de sangue. Mas como essa mentalidade louca e monstruosa dominou uma nação inteira que se orgulha de ser o ápice dos valores humanísticos? Bem, nem foi difícil. 

O professor David N. Gibbs nos conta a história de origem dos demônios que são os neocons. O Dr. David N. Gibbs é professor de História na Universidade do Arizona. Ele escreveu vários livros importantes que nos ajudam a entender os Estados Unidos contemporâneos; entre eles "Revolt of the Rich: How the Politics of the 1970s Widened America's Class Divide." e o que queremos focar hoje, "First Do No Harm: Humanitarian Intervention and the Destruction of Yugoslavia." 

Siga David N. Gibbs através da página inicial: dgibbs.arizona.edu"



segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Trump e o pano de fundo na falácia contra o Canadá

Ainda faltam alguns dias para a posse de Donald Trump rumo ao seu segundo mandato e o mesmo já fez algumas declarações ao "belo estilo" ultradireitista. Dentre essas uma que afeta e ofende diretamente a soberania do país vizinho Canadá.

Uma das vozes que mais repercutiu contra tal insanidade foi a da líder do Partido Verde Canadense, Elisabeth May, lembrando do quanto o país que a adotou é independente e fazendo algumas comparações como o sistema de saúde pública dos dois países.

Todo isso me fez imaginar que um dos possíveis panos de fundo nessa discussão também pode ser o fato de que históricamente o Canadá defeca para as sações impostas contra Cuba e tem apoiado o fim das mesmas.

 

Visita de Pierre Trudeau e família à Cuba em Janeiro de 1976.
Foto: Boris Spremo/Toronto Star

Trudeau pai do atual Premier canadense, Justin Trudeau, desde sempre firmou boas relações com a Ilha do Caribe, lhe causando até alguns desconfortos com Washington e Trump sabe disso.

Em 2024 o governo canadense fez duras críticas ao embago durante a Assembléia Geral da ONU acompanhado pelo próprio Brasil.



Cuba e Canadá exploram oportunidades de negócios nos setores industrial e energético. Via misiones.cubaminrex.cu

Agora é esperar o que vem pela frente com o novo governo dos Estado Unidos movido por um presidente reacionário munido de marioria na Câmara, Senado e Judiciário. Uma ampla maioria que pode ser explosiva em proporções mundiais.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O legado de Hugo Chávez e a Venezuela atual

 






Por Kátia Alves Fukushima[1]

No dia 05 de março de 2023, completaram-se dez anos da morte de Hugo Chávez. Então, recebi o convite para escrever sobre o legado de Chávez e os desdobramentos na política da Venezuela, um dos temas que tem ocupado minha agenda de pesquisa há um tempo[2]. A grande dificuldade de se analisar a situação venezuelana são as informações enviesadas com as quais nos deparamos, sejam aquelas pró-governo ou aquelas que seguem a mídia hegemônica atribuindo à figura de Hugo Chávez todos os males do país e, quiçá, do mundo.      

Coincidentemente, me deparei com um artigo de Margarita López Maya (2023) que me chamou muito a atenção: a autora reduz o legado do governo de Hugo Chávez ao que seria “uma nova forma de autoritarismo sob Nicolás Maduro”. Ela afirma que a forma com que Chávez exerceu o poder, desde o seu primeiro mandato, deteriorou as “instituições democráticas liberais”, o que explica, em sua visão, a “deriva autoritária de Maduro”.      

Análises semelhantes apresentam os mandatos de Chávez e de Maduro como um único governo, como a de Norris e Inglehart (2019, p. 415) que na ânsia de classificarem Chávez como líder autoritário-populista, afirmam que “na Venezuela, Hugo Chávez prometeu redistribuição de riqueza, reforma agrária e uso das receitas do petróleo do Estado para subsidiar os padrões de vida, mas o país experimentou um declínio econômico drástico”. No entanto, este declínio econômico drástico ocorre somente no governo de Nicolás Maduro.

Essas análises são problemáticas por, no mínimo, três razões. Primeiro, ainda que Chávez e Maduro sejam figuras de um mesmo projeto político, ligados à chamada Revolução Bolivariana e ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), reduzir o governo Chávez e o que ele representou, única e exclusivamente, ao governo Maduro e à atual crise venezuelana, é a meu ver, uma análise reducionista, pois perde de vista, a complexidade e a contextualização do processo político em que eles se inserem. Segundo, a ideia de deterioração das instituições democráticas liberais me remete a duas questões: de que instituições democráticas estamos falando? A deterioração dessas instituições já não começou antes do próprio governo Chávez? Por fim, diante da crise venezuelana, é fácil colocar a culpa somente no governo e afirmar que este fracassou, mas qual foi o papel da oposição nesse processo?

Isto posto, busco argumentar nesse breve artigo que, primeiro, para entendermos o governo e o legado de Hugo Chávez, bem como a situação da Venezuela hoje, se faz necessário olhar (não só) para os erros, limites e contradições desses governos, mas também para o papel da oposição. Isso porque há uma lacuna nas análises sobre os governos de Chávez e de Maduro ao ignorarem as ações da oposição que, a meu ver, contribuíram para o acirramento da crise política e econômica no país, ao atuar enquanto “oposição desleal” ao longo dos governos de Chávez (1999-2013) e de Maduro (2013 – atual), na medida em que, para além de se contrapor ao governo dentro das regras do jogo, se colocou como uma ameaça à própria democracia.

Em segundo, defendo que analisar a democracia venezuelana, ou melhor, as democracias na América Latina, a partir de uma concepção de democracia liberal no seu sentido mais restrito aos procedimentos e, portanto, à arena eleitoral, é problemático. Isso porque, com essa visão restrita, perde-se de vista um importante processo de disputas de narrativas entre uma cultura hegemônica excludente e um conjunto de vozes até então marginalizadas, advindas de um processo de lutas dos movimentos sociais por democracias participativas e inclusivas e que, em distintos graus, ganharam espaço durante os governos de esquerdas. Neste aspecto, as reações a estes governos estão relacionadas mais a essa disputa de narrativas – diante de uma ameaça a essa cultura hegemônica – do que, de fato, aos erros destes governos.


Governo Chávez: o que representou e qual seu legado?

Hugo Chávez governou a Venezuela por 14 anos (1999-2013), tendo sido eleito com 55% dos votos para mais um mandato (2013 a 2019) que, todavia, vítima de uma enfermidade, faleceu antes de tomar posse. Durante esse período, Chávez apresentou significativa legitimidade perante a população, demonstrada pelas sucessivas vitórias entre eleições e referendos (vencendo 15 processos eleitorais dos 16 realizados durante seus mandatos).

Vale lembrar que Chávez se insere no chamado giro à esquerda, ou maré rosa (Panizza, 2006), no final do século XX e início do século XXI, em que várias lideranças e partidos de esquerda e centro-esquerda assumiram o poder em diversos países da América Latina. Chávez ascendeu ao poder dentro das regras da democracia liberal, em um contexto de crise do sistema político venezuelano[3] e deslegitimação dos partidos tradicionais, Ação Democrática (AD) e o Comité de Organização Política Eleitoral Independente (COPEI), que se alternavam no poder no chamado “sistema populista de conciliação de elites” (Rey, 1998). Seu governo não conseguiu implementar mudanças estruturais, que verdadeiramente ameaçassem o sistema capitalista, e nem superar a economia rentista, com base nos recursos do petróleo. No entanto, por si só, representou, em um país historicamente governado por forças oligárquicas e conservadoras, uma mudança na ordem institucional, ao mudar o bloco no poder e construir uma nova hegemonia. A ruptura com o status quo até então vigente gerou em torno do governo um constante embate com setores oposicionistas – partidos, setores empresariais e midiáticos.

Uma das primeiras medidas de Chávez ao assumir o poder presidencial da Venezuela foi convocar uma Constituinte e promulgar uma nova Constituição com aprovação popular por meio de referendo. Podemos dizer que a Constituição de 1999 é um dos principais legados de Chávez e, com ela, o debate sobre a concepção de democracia para além de seus aspectos procedimentais. A Carta Magna apresenta uma série de mecanismos de inclusão e participação, como a garantia de três cadeiras na Assembleia aos povos indígenas e os mecanismos de consultas populares e iniciativa de leis, além do referendo revogatório – instrumento importante, nas mãos dos cidadãos, que permite revogar o mandato de todos os cargos de eleição popular. Ainda que, como aponta López Maya (2023), esta Constituição tenha sido resultado de um amplo debate social, político e institucional que vem desde a década de 1980, dar respaldo as ideias de democracia participativa neste processo não é pouca coisa[4].

Destaco também as chamadas Missões Bolivarianas – uma série de políticas sociais – que, sem ignorar os problemas internos de gestão, promoveram avanços significativos na vida dos venezuelanos no que se refere ao acesso à educação, saúde e emprego, reduzindo, assim, as taxas de pobreza e desigualdade no país. A pobreza, por exemplo, que atingia 49,4% em 1999, se viu reduzida a 29,5% em 2011. No mesmo período, a taxa de indigência diminuiu de 21,7% para 11,7%. No intervalo da crise do governo com a oposição, a taxa de desemprego alcançou, no ano de 2003, 18%. Após esse período e, justamente, quando se iniciaram as Missões Bolivarianas, a taxa de desemprego começou a cair expressivamente, chegando a 8% em 2012. A redução da desigualdade foi significativa comparada aos outros países da América Latina, como podemos verificar no índice de Gini[5], em que a média dos países latino-americanos foi de 0,512 em 2010 e a Venezuela, no mesmo ano, estava abaixo dela com 0,394 – quanto mais próximo de zero, menos desigual.

Essas Missões somadas às políticas de estímulo à participação, com a criação de instituições participativas, como os Conselhos Comunais, constituíram o eixo do projeto político chavista. Para tanto, o Estado assumiu, neste período, o papel central na promoção dos direitos sociais, bem como na regulação das relações econômicas.

Mesmo que muitas políticas adotadas pelo governo tenham representado a “cooptação” da população para reverter em apoio político à figura de Chávez, os dados mostram que produziram resultados positivos para os venezuelanos, em especial para os grupos marginalizados. Ademais, se partimos da premissa da função educativa da participação – “Quanto mais os indivíduos participam, melhor capacitados eles se tornam para fazê-lo” (Pateman, 1992, p. 61) – podemos afirmar que a presença desses mecanismos participativos pode contribuir para o aperfeiçoamento da participação popular. Assim, apesar das contradições presentes nas instituições participativas, podemos afirmar que a ideia de participação foi internalizada na vida social, institucional e psicológica dos venezuelanos – outro legado do governo Chávez.

Todavia, tais políticas, como a literatura demonstrou, estavam imersas na polarização política e social entre governo e oposição presente durante todo o governo Chávez. Parte deste embate, como mencionei, se relaciona à disputa de narrativas entre aqueles que queriam manter o status quo e, logo, uma cultura excludente, e aqueles que, a partir das políticas de inclusão e participação, passaram a ocupar lugares que não eram considerados seus e a reivindicar uma democracia mais substantiva, gerando um constrangimento naqueles que sempre tiveram o privilégio de estarem nestes lugares. Setores abastados começam a se sentir ameaçados e, logo, vão aceitar qualquer alternativa que mantenha o seu status quo, ainda que essa opção represente a quebra da própria democracia, apoiando, por exemplo, uma oposição desleal.

Mas, como disse, não pretendo minimizar os erros do governo. Vários fatores contribuíram ou acirraram para o descontentamento de vários setores e abriram espaços para a atuação de uma oposição desleal, como a concentração do poder no Executivo. A adoção da reeleição indefinida também foi um grande erro do governo Chávez, e que tem sido um tiro no pé de muitas lideranças que têm buscado esse caminho. Tal medida, a meu ver, enfraquece tais governos, pois ao ficar dependente de uma única liderança, não contribui para a formação de quadros fortes no interior dos partidos.


Oposição “Desleal”

Como argumentei, não é possível analisar a crise venezuelana somente a partir dos governos chavistas sem dar atenção ao papel da oposição política e econômica, que se converteu em uma “oposição desleal” ao longo dos governos de Chávez e de Maduro.

A “oposição desleal”, segundo Linz (1991), constitui-se em partidos e/ou grupos de interesses que promovem ação conjunta com fins desestabilizadores para derrubar o governo, sem nenhuma possibilidade de constituir uma nova maioria. De acordo com o autor, não é improvável que, diante de uma oposição desleal e dos perigos que esta pode causar, o governo, buscando salvar o regime, caminhe em uma direção autoritária. No limite, estas ações podem levar à queda de presidentes ou ao fechamento do governo em direção ao autoritarismo.

Quando Chávez começou, de fato, a implementar as políticas que havia anunciado em sua campanha eleitoral, muitos setores começaram a se sentir ameaçados, dentre os quais, podemos citar: os partidos de oposição, setores empresariais (representados pela Fedecámaras – Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio e Produção); setores midiáticos (ligados aos jornais e redes de televisão: El Nacional, El Universal, Globovisión, RCTV, Venevisión); lideranças da Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA)[6] e da Confederação dos Trabalhadores da Venezuela (CTV), além de setores da classe média. Dentre as ações promovidas por essa oposição que a converte em desleal, citamos: as paralisações em 2001, o golpe que destituiu Hugo Chávez do poder entre 11 e 14 de abril de 2002, a sabotagem petrolífera entre 2002 e 2003, e o boicote às eleições parlamentares em 2005.

Após o fracasso dessas ações e medidas visando à desestabilização, a oposição à Chávez havia adquirido um caráter mais democrático nos últimos anos de seu governo. Tal estratégia, em muito localizada na união de setores oposicionistas em torno da Mesa de la Unidad Democrática (MUD), levou a uma considerável melhoria nos seus resultados eleitorais. A oposição, neste sentido, não apenas conquistou o poder em estados importantes do país, como tornou reais suas chances de vitória nas eleições presidenciais. A MUD logrou reunir todos os setores descontentes com o governo chavista, criando em torno da candidatura do então governador do estado de Miranda (2008-2012), Henrique Capriles, a personificação do líder anti-Chávez.

No entanto, após a morte de Chávez e a derrota na eleição presidencial de abril de 2013 para Nicolás Maduro, a oposição ficou dividida[7] e alguns setores retornaram ao antigo caminho, não reconhecendo o resultado das eleições e incitando protestos violentos contra o governo – conhecidos como “La Salida” (2014). Houve também um boicote as eleições de 2018 e, em 2019, Juan Guaidó (Voluntad Popular – PV), um dos líderes da oposição, se autoproclamou presidente e passou a defender intervenção estrangeira no país.

A relação entre oposição e governo na Venezuela se constitui em um jogo de soma zero, que leva a um círculo vicioso entre ações antidemocráticas por parte da oposição e o endurecimento por parte do governo. Quem sofre as consequências desse jogo é a população venezuelana. 


Venezuela hoje

Após a morte de Chávez em 2013, Nicolás Maduro – vice-presidente e ex-ministro de Relações Exteriores – foi eleito no mesmo ano com 50,62% dos votos. O governo de Maduro foi marcado por uma grave crise econômica que se instaurou em 2014[8] – com uma das inflações mais altas do mundo, desabastecimento e inseguridade. Uma série de fatores podem explicar a crise política, econômica e social venezuelana, como a dependência do petróleo, as influências internacionais e a inabilidade dos atores governistas de encontrarem soluções para a crise, bem como o papel da oposição ao acirrar ainda mais a polarização e a crise no país.

Neste sentido, entender a Venezuela hoje e a crise política, econômica e social perpassa por quatro dimensões: 1) relação governo e oposição; 2) papel dos militares no governo; 3) distanciamento entre “chavismo burocrático institucionalizado” versus “chavismo popular” e; 4) interesse dos EUA no fim do chavismo.

Como apontamos, a relação entre governo e oposição sempre foi marcada por intensa polarização, constituindo um jogo de soma zero.

O governo Maduro, na luta para se manter no poder, não enfrentou temas centrais para tentar superar a crise econômica, respondendo de modo letárgico aos desafios econômicos do país, especialmente no que diz respeito à necessidade de ajustar os controles de preço e câmbio que se prestam à especulação, contrabando e corrupção (Ellner, 2019, p. 169).

Este último tema, somado à falta de transparência, constitui outro “calcanhar de Aquiles” do governo. Segundo o sociólogo venezuelano Edgardo Lander, durante o governo Maduro houve um aumento da militarização, com a incorporação de membros das Forças Armadas em cargos da administração pública, buscando garantir o apoio dos militares ao governo. Nestes cargos houve níveis mais altos de corrupção, com destaque para as áreas de alocação de divisas, portos e de distribuição de alimentos, gerando uma deterioração dos serviços públicos e, logo, uma crescente rejeição ao governo Maduro.

As dificuldades do governo em solucionar a crise econômica, segundo Oscar Lloreda (2019), se reflete em um distanciamento entre dois grupos, que ele denomina de “chavismo burocrático-institucionalizado” e o “chavismo popular”. Para o autor, “o que unifica hoje ambos os grupos é a existência de um projeto e um horizonte comum, traçado ao longo desses vinte anos. O que os separa, em alguma medida, é a preocupação atual de cada um”. Enquanto o “chavismo burocrático-institucionalizado” tem como objetivo central a sua sobrevivência, ou seja, a manutenção do poder institucional, “o chavismo popular” se concentra mais na viabilidade e na ‘sustentabilidade histórica’ do projeto bolivariano”.

Outro fator que acirra a crise venezuelana são as sanções impostas pelo governo dos Estados Unidos. Desde a ascensão de Hugo Chávez em 1999, as relações entre Venezuela e Estados Unidos se caracterizam por tensões diplomáticas, especialmente      após o golpe de 2002 contra o governo Chávez, liderado pela oposição e com apoio do Governo Bush (2001-2009). Durante o governo Maduro, a relação entre os dois países se acirrou, com a imposição de sanções por parte dos Estados Unidos contra o país[9]. Segundo Bull e Rosales (2023), tais sanções inibiram a capacidade da Venezuela de recuperar-se da crise de 2014, contribuindo para a queda de 80% do PIB per capita registrada entre 2013 e 2021.

Para Lloreda (2019), a estratégia dos Estados Unidos se concentra em asfixiar a economia venezuelana e isolar diplomaticamente o país, apostando no colapso interno a partir de pressões externas, pois o esgotamento do chavismo representaria “que não é viável e nem possível a construção de uma alternativa ao modelo hegemônico”.

Diante do exposto, a conjuntura atual coloca o futuro da Venezuela, com eleições previstas para 2024, como uma incógnita. O que posso dizer é que uma solução mínima para a resolução da crise no país perpassa, primeiro, por um diálogo entre governo e oposição no sentido de entender a presença dos dois atores políticos como parte da política venezuelana; segundo, pela luta por acabar com as sanções impostas pelos Estados Unidos e, terceiro, pela recuperação e aprofundamento dos pontos positivos do governo Chávez, mais precisamente, no que se refere às suas políticas de inclusão e participação que deram voz aos grupos excluídos da política venezuelana. Este último ponto, contudo, esbarra, naqueles que querem manter a democracia restrita à arena eleitoral e, portanto, condizente com as desigualdades e exclusão – debate presente nas crises de outros governos de esquerda latino-americanos.

* Este texto não representa necessariamente a opinião do Boletim Lua Nova ou do CEDEC.


Referências Bibliográficas

Bull, Benedicte e Rosales, Antulio. Cómo las sanciones a Venezuela abrieron paso a un capitalismo autoritario. Nueva Sociedad, no 304, marzo-abril de 2023. Disponível em: <https://nuso.org/articulo/304-sanciones-venezuela-capitalismo-autoritario/>.

Ellner, Steve. “Class Strategies in Chavista Venezuela: pragmatic and populista policies in a broader context”. Latin American Perspectives, Issue 224, Vol. 46 No. 1, January, 2019. p. 167–189. DOI: 10.1177/0094582X18798796

Fukushima, Kátia A. A política social do Governo Chávez: quais os avanços? Revista Mural Internacional, v. 9, p. 99-121, 2018.

Fukushima, Kátia Alves. O governo Chávez e a luta pelo poder na Venezuela: uma análise dos atores políticos em conflito. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). São Carlos: UFSCar, 2010.

Fukushima, Kátia Alves. Os impasses à democracia participativa nos governos de esquerda: os casos do Brasil, do Chile e da Venezuela. Colombia Internacional, v. 98, p. 105-135, 2019.

Fukushima, Kátia Alves; González Durand, Jorge. Venezuela Hoje: entre a polarização política, as sanções dos EUA e a pandemia do Coronavírus. A terra é redonda, 2020.

Linz, Juan J. La quiebra de las democracias. Argentina: Alianza Estudio, 1991.

Lloreda, Oscar. “Ni Geopolítica, ni petróleo: Lo de Venezuela es un acto ejemplarizante”. Foro de Comunicación para la Integración de NuestrAmérica (FCINA), 2019. https://www.alainet.org/es/articulo/198091.

López Maya, Margarita. Autoritarismo, izquierdas y democracia participativa en Venezuela. Nueva Sociedad, no 304, marzo-abril de 2023. Disponível em: <https://nuso.org/articulo/304-autoritarismo-izquierdas-democracia-participativa-venezuela/>.

Norris, Pippa; Inglehart, Ronald. Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritarian Populism. Cambridge: Cambridge University Press, Panapo, 2019.

Panizza, Francisco. La marea rosa. Análise de Conjuntura, OPSA, n°8, 2006.

Pateman, Carole. Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Rey, Juan Carlos. El futuro de la democracia en Venezuela. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 1998.

Serrano, Rafael Quiroz. Meritocracia Petrolera. ¿Mito o Realidad? Caracas: 2003.


-----------------------------------------------------------------------------


[1] Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora Adjunta do Departamento de Ciência Política – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). E-mail: kafukushima.politica@gmail.com.

[2] Este texto apresenta ideias já desenvolvidas em outros trabalhos da autora (Fukushima, 2010; 2018; 2019; 2020).

[3] Ao longo da década de 1990, houve expressivo aumento da taxa de pobreza na Venezuela, alcançando em 1999 um total de 49,4%. A taxa de indigência subiu de 14,4% em 1990 para 21,7% em 1999. Os gastos sociais que eram 10,06% do PIB foram reduzidos a 7,3% em 1996. As informações podem ser conferidas no sítio da CEPAL.

[4] Basta olharmos a situação no Chile, que ainda permanece sob uma Constituição advinda da ditadura e que é extremamente restritiva quanto à participação popular.

[5] O índice de Gini vai de 0 a 1, em que 1 representa a máxima desigualdade e 0 a perfeita igualdade. Esta descrição, e  a estatística apresentada na sequência do texto, estão disponíveis no sítio da CEPAL, seguindo pelo menu: Demográficos y sociales > Distribución del ingreso > Índice de concentración de Gini.

[6] A PDVSA, embora, uma empresa estatal, atuava, antes do governo Chávez, como um Estado dentro do Estado (Serrano, 2003).

[7] A despeito dessa cisão, a oposição venceu as eleições parlamentares de 2015, alcançando uma maioria qualificada com 2/3 das cadeiras legislativas. Após a posse, a primeira medida da oposição foi retirar da parede do Parlamento os quadros de Chávez e de Bolívar ou de qualquer vestígio que representasse a hegemonia chavista, adotando uma “política de ressentimento”.

[8] De acordo com a projeção do Banco Mundial, o PIB da Venezuela caiu 17,7% em 2018, com previsão de queda de 25% em 2019, o que implicaria em uma queda acumulada de 60% desde 2013.

[9] Dentre as ações promovidas pelos Estados Unidos contra a Venezuela, podemos citar a apreensão ou confisco de bens e contas do Estado venezuelano no exterior; o bloqueio de transações financeiras relacionadas à Venezuela e; o reconhecimento de um governo interino.

Fonte Imagética: Wikimedia Commons. El pueblo venezolano acompañó los restos de su presidente Hugo Chávez Frías en la Academia Militar. 8 mar. 2013. Fotografia de Cancillería Ecuador.


Fonte: boletimluanova.org

sábado, 12 de outubro de 2024

'Goodbye Blue Sky', só pra cantar!




'Goodbye Blue Sky' canção do Pink Floyd do álbum duplo The Wall de 1979.
A letra da música fala de guerra, agonia e tristeza;

"Você já se perguntou por que tivemos
que correr para o abrigo quando a
promessa de um mundo novo e corajoso
se desenrolou sob o céu azul claro?"

A cacofonia do 'Pink', personagem fictício da banda, nessa música, lembra o peso de algumas redes sociais, mais de 45 anos depois...

Especialmente em Setembro de 2024, com o bloqueio do X, parte significativa dos brasileiros com perfil nessa rede migrou para o Bluesky, dentre esses muitos militantes de esquerda.


Passados 39 dias a suspensão do antigo Twitter cessou e muitos viram nesse período no Bluesky realmente um lindo céu azul, lembrando os primórdios da outra rede que agora pertence a um milionário que abraça ideais de extrema-direita tentando mandar no Brasil.

Muitos, como esse que aqui escreve não querem voltar ao X, torcem para que o Bluesky continue suave, e nem vou entrar aqui nos detalhes de descentralização, moderação, feeds, abertura de capital, entre outros detalhes.
Dentro disso a Cynara escreveu algo que vem muito nessa linha;

continuar no bluesky é como recomeçar a vida do nada em outra cidade, conhecendo gente nova e se permitindo ser diferente da persona de antes. bastante satisfatório, eu diria. e o X virou trabalho, só. a ex-cidade que a gente visita só por obrigação

— Cynara Menezes 🧘🏻‍♀️ (@cynaramenezes.bsky.social) 9 de outubro de 2024 às 23:35

Concordo, e realmente após quinze anos tendo ali um banco de dados, especialmente em listas, o X virou só "trabalho" dando-me preferência em "estar" no Bluesky.
Nessa e noutra linha também escrevi minha reflexão;

Ñ dá p negar q o Bluesky se tornou uma rede agradável sem o ataque de extrema-direita a cada postagem 'Ain, mas só estamos falando com a nossa bolha' Ok, mas partindo do princípio de q quem ataca na outra rede ñ fala/conversa e em sua maioria xinga, bom é manter essa "bolha" p divulgar e aprender

[image or embed]

— Alexandre Fizoele Salazar✊🏾 (@alexandre-salazar.bsky.social) 9 de outubro de 2024 às 11:13


E aqui no "Céu Azul" estamos. Será para sempre? Não sei! Posso ter uma recaída voltando ao tóXico? As coisas podem mudar por lá? Os raivosos do X podem invadir o Bluesky? São questões que só o amigo tempo pode responder.

Mas enquanto isso, melhor é só cantar 'Goodbye Blue Sky', e ficar.



Goodbye Blue Sky/Adeus Céu Azul


[Jovem Pink, dublado pelo filho de Roger, Harry]

Olha, mamãe. Tem um avião no céu.

[David Gilmour]

Di' di' di' você viu os assustados?

Di' di' di' você ouviu as bombas caindo?

Di' di' di' você já se perguntou por que tivemos

que correr para o abrigo quando a

promessa de um mundo novo e corajoso

se desenrolou sob o céu azul claro?

Di' di' di' você viu os assustados?

Di' di' di' você ouviu as bombas caindo?

As chamas já se foram há muito tempo, mas a dor continua.

Adeus, céu azul.

Adeus, céu azul.

Adeus. Adeus.


Mais detalhes da música thewallanalysis.com

terça-feira, 8 de outubro de 2024

'Como descobri a chocante identidade secreta do meu noivo'

 

DONNA MCLEAN












28 agosto 2024 por BBC

A escocesa Donna McLean se apaixonou, em 2002, por Carlo Neri, um homem que conhecera em um protesto em Londres contra a Guerra do Iraque.

Eles tinham muita coisa em comum, em particular, o interesse por causas políticas de esquerda, e estiveram juntos por quatro anos. Para Donna, Carlo era o amor de sua vida, o homem com quem queria se casar e formar uma família.

Mas o relacionamento foi encerrado de forma abrupta por Carlo, que, havia alguns meses, passara a ser comportar de um jeito bastante estranho.

Nove anos depois, Donna descobriu a verdade sobre o ex-noivo: na verdade, usava uma identidade secreta.

Esse caso é contado em um episódio da terceira temporada do podcast Que História!, da BBC News Brasil. Ele pode ser ouvido nas principais plataformas de podcast, como Spotify e Apple Podcasts, e no canal da BBC News Brasil no YouTube.


'Minha mãe o amava...era afetuoso e simpático'

Donna estava na casa dos 30 anos, era solteira, vivia em um apartamento em Londres. Tinha trabalhado como enfermeira e agora gerenciava um programa de atendimento psicológico em um abrigo para moradores de rua.

Seu círculo de amigos era basicamente composto de pessoas que conheceu no trabalho e por ativistas ou sindicalistas, que, como ela, simpatizavam com causas de esquerda. Boa parte desse grupo participou, em 2002, da marcha contra a Guerra do Iraque no centro de Londres, que reuniu cerca de 150 mil pessoas.

Foi ali que conheceu um homem que acabaria tendo grande impacto em sua vida.

"Fiquei um pouco perdida porque a marcha era muito grande", contou Donna ao programa Outlook, da BBC. "Não consegui encontrar as pessoas. Mas lá no Hyde Park achei Dan, um amigo meu. Ele estava com um grupo de pessoas, algumas delas eu já conhecia. E ali Dan me apresentou a esse cara, Carlo. Ele estava um pouco afastado, usando óculos escuros. Achei ele um gato, fiquei bem interessada nele."

"Na verdade, Dan já tinha me falado dele, de que ele trabalhava como chaveiro. O estranho é que, vendo ele, me lembrei de que já tinha visto ele antes. Ele tinha passado no meu apartamento havia uns 9 meses para pegar umas caixas de papelão. Lembro de Carlo conversando com meu namorado na época. Eu disse: 'já te conheci antes, no meu apartamento. Mas ele negou, disse 'Não, não, nunca estive no seu apartamento'. E eu disse: 'Você ficou falando sobre boxe com meu namorado'. E ele respondeu: 'Não me lembro disso'."

Donna contou que o dia terminou com o grupo indo a um pub. Ela sentou ao lado de Carlo e eles ficaram conversando.

"Ele era meio grande, musculoso. E também era ativista de esquerda, falamos sobre política, sobre livros, família. E rapidamente se tornou uma conversa muito íntima. Parecia que havia uma conexão, que eu já conhecia ele. Todos nós fomos jantar, as pessoas foram indo pra casa, e ficamos só nós dois. Então acabamos indo para o meu apartamento. E depois disso, ele foi ficando."

Poucas semanas depois, Carlo Neri se mudou para o apartamento de Donna. Os dois saíam para trabalhar e voltavam às 5 e meia da tarde. Carlo é quem sempre cozinhava. Eles iam a festas, saíam para jantar, frequentavam o mesmo grupo de amigos.

"Não conseguia acreditar que deu tudo tão certo tão rapidamente. Ele se dava bem com todos os meus amigos. Os amigos do trabalho adoravam ele. E logo ele conheceu minha família."

"Ele trouxe os livros dele, muitos deles eu tinha, porque eram livros de esquerda. Trouxe muitas fotos antigas de família, fotos de sua mãe quando ela era mais nova. Fotos de seu pai. Algumas fotos de sua irmã. Antes de se mudar ele tinha me contado que tivera um filho, após um relacionamento muito curto, mas que estava afastado dele porque a mãe tinha se mudado para a Cornualha."

Carlo contou a Donna que tinha nascido em Londres, de pais italianos. Mas que os pais haviam voltado para a Itália quando a mãe ficou doente. Segundo Carlo, a família era de Bolonha. E quando Carlo propôs a Donna que eles comemorassem o Dia dos Namorados em Bolonha, ela topou no ato.

"Foi lindo. Foram as férias mais luxuosas que já tive. Você sabe, eu tinha um emprego relativamente bom e ele também ganhava bem como chaveiro. Ficamos em um hotel cinco estrelas, com café da manhã levado para o quarto. Nunca tinha feito isso antes."

Mas Donna acabou não conhecendo a família de Carlo.

"Ele já tinha me dito que tinha uma relação ruim com seu pai. Que batia na mãe e era um homem bastante desagradável e que ele, Carlo, sentia muita culpa por não ter conseguido proteger a mãe. Ele disse que aquela viagem era só para a gente se divertir. Foi uma viagem romântica."

Donna também tinha problemas nas relações familiares, e diz que ambos conversavam muito sobre esses problemas, e que isso foi uma das razões pelas quais se aproximaram tanto tão rapidamente. Outro fator foi que compartilhavam praticamente os mesmos amigos e conhecidos. E que a família de Donna gostou muito de Carlo.

"Minha mãe o amava. Ele era tão afetuoso e simpático. Levava presentes para eles, vinho e comida muito bons. Conversava com meu padrasto sobre motos e história. Jogava sinuca com minha irmã… Era incrivelmente charmoso."


Entre 2002 e 2003, Londres foi palco de vários protestos contra a Guerra do Iraque














Já Donna nunca teve contato com parentes de Carlo. Ele disse que tinha uma irmã vivendo em Londres. Ele ia visitá-la, mas nunca levou Donna junto. Dizia que a irmã vivia em um casamento infeliz e sofria de profunda depressão. Carlo também visitava o filho do relacionamento anterior, na Cornualha. E quando Donna sugeria que ele trouxesse o filho para Londres, ele desconversava.

"Ele dizia, você vai conhecê-lo. Isso vai acontecer. Mas no momento, a mãe dele não quer que o menino conheça outra mulher. Preciso recuperar esse relacionamento primeiro."

Para celebrar o Ano Novo de 2003, Donna e Carlo resolveram dar uma festa. Chamaram amigos, Carlos cuidou da comida e da bebida, estava tudo indo bem.

"Pessoas que não se conheciam estavam conversando, se dando bem. Todo mundo de alto astral, numa celebração adorável. E então… Carlo me pediu em casamento. Só isso: 'Você quer se casar comigo?' E eu disse: sim. E ele disse: Vamos ligar para sua mãe. E ligamos, pouco depois do Ano Novo. Minha mãe disse: 'O quê??'"

"É o que ela queria. Que eu me estabelecesse e tivesse uma vida normal, porque eu tinha ido para Londres. Ela ficava preocupada. Mas ela gostou da ideia de eu encontrar uma pessoa firme e estável que cuidasse de mim, porque Londres pode ser um lugar bastante assustador quando você é uma mulher sozinha."

"De certa forma, eu sabia que ele ia me pedir em casamento. A gente conversava sobre isso, fazia planos. A gente queria ter três filhos, eventualmente mudar de Londres para uma cidade menor. Era o momento certo. Eu realmente achava que esse seria nosso futuro."

Algum tempo depois, Carlo mudou de emprego. Ele disse que agora estava trabalhando para uma empresa italiana de importação e exportação. E passou a se ausentar por alguns dias toda semana. Mas eles continuavam a se entender, pelo menos até a chegada do verão.

"Tínhamos planejado férias de duas semanas. A ideia era dirigir até a França e seguir a rota da Tour de France, da qual gostava muito. Ele tinha organizado a viagem, estava tudo pronto. Mas na noite anterior, quando cheguei em casa do trabalho, ele disse: Sinto muito. Não vou poder ir. Preciso voltar para a Itália. Meu pai não está bem, teve um derrame. E foi."

"A gente se falava todo dia por telefone. Mas parecia que algo estava um pouco diferente. Parecia que havia surgido um distanciamento, algo que não conseguia identificar direito. Ele voltou, e as coisas estavam normais. A gente saía, via as pessoas…Mas comecei a me incomodar com o fato de nunca ter conhecido alguém da família dele."

O ano passou e Carlo disse que teria de voltar pra Itália porque seu pai tinha piorado. Donna passou o Natal com seus pais na Escócia. No Ano Novo ele ligou dizendo que seu pai havia morrido. E quando voltou, no início de 2004, ele "não era a mesma pessoa que foi para a Itália", segundo Donna.

"Ele parecia realmente diferente. Ele deixou a barba crescer, estava todo desgrenhado e havia perdido peso. Seus olhos pareciam diferentes. E antes, ele gostava de abraçar, de ficar de mão dada.. Todo esse calor e carinho haviam sumido."

"E quando conversamos, ele disse que depois do funeral do pai, a irmã dele revelou que fora abusada sexualmente pelo pai desde os 11 anos. Ele disse que não estava conseguindo lidar com o sentimento de vergonha e culpa disso tudo. E de repente eu entendi porque a família dele era tão fragmentada e a irmã tão distante. Eu queria ajudar ou tentar dar o máximo de apoio possível, mas ele realmente se afastou. Mesmo assim eu ainda acreditava no relacionamento."


Donna passou o Dia dos Namorados com e Carlo na cidade dos pais dele, Bologna: 'Foi lindo. Foram as férias mais luxuosas que já tive. Ficamos em um hotel cinco estrelas, com café da manhã levado para o quarto. Nunca tinha feito isso antes'
















Mas num belo dia, Donna voltou do trabalho e todas as coisas de Carlo tinham sumido. Livros, roupas, ímã de geladeira…. Carlo tinha se mudado de casa.

"Fiquei arrasada. E então, duas semanas depois, ele me ligou e disse: 'Ah, não, não quero que isso acabe. Eu só preciso morar em outro lugar por um tempo. Mas eu realmente não quero que isso acabe'. Voltamos a ficar juntos, mas ele não morava mais comigo. Ficamos juntos por mais seis meses, mas nunca mais foi a mesma coisa."

"Em um dia de novembro, fomos ao cinema. Ele estava bem desdenhoso e rude comigo. E eu me lembro de ter entrado em um táxi e dele jogando dinheiro em mim. Ele simplesmente não era como a pessoa que eu conhecia. Era como um completo estranho. E no dia seguinte ele me enviou um e-mail no trabalho apenas dizendo: Acabou. Não vou ver você de novo. Estou em outra."

Essa noite do cinema foi a última vez em que Donna viu Carlo Neri, que ela achava ser o amor de sua vida. Ela ficou arrasada. Com sentimentos que oscilavam entre culpa, tristeza e raiva. Passou a se agarrar ao trabalho. Diz ter levado dois anos para voltar a pensar em namorar de novo.

Ela trocou Londres pela pequena cidade inglesa de Folkestone, na costa, onde iniciou um novo relacionamento e teve gêmeas. E diz que, apesar de estar, hoje, separada do pai das crianças, ter as filhas lhe trouxe propósito, normalidade e estabilidade, coisas que ela tanto queria ter tido na relação com Carlo.


'Venha a Londres...precisamos conversar'

Os anos foram passando. Em 2015, nove anos após ela ter visto Carlo pela última vez, Donna recebeu uma mensagem de texto de um amigo dos velhos tempos, dizendo "venha para Londres, precisamos conversar".

Esse amigo tinha reunido um grupo de pessoas para revelar a elas a verdade sobre o homem que todos eles tinham conhecido como Carlo Neri: Carlo era um policial. Ele integrava uma unidade secreta da Polícia Metropolitana de Londres que infiltrava grupos políticos de esquerda e de ativistas na Grã-Bretanha.

"Eles estavam me dizendo que uma coisa tão importante na minha vida não tinha sido real. Lembro de me sentir completamente fora de eixo, como se tivesse feito uma grande trapalhada. Eu simplesmente não sabia qual era a minha parte nisso. Eu não sabia quem eu era na história e por que estava nela."

O encontro em Londres só confirmou o que Donna já suspeitava. Alguns meses antes, ela recebera a visita de uma amiga que passou uns dias na casa dela. Essa amiga trouxe um livro escrito por dois jornalistas e que estava no centro de um grande escândalo. Ele revelava vários casos de mulheres que tinham tido relações longas com homens que eram, na verdade, policiais disfarçados. Donna leu o livro, Undercover: The True Story of Britain's Secret Police (Disfarçado: a verdadeira história da polícia secreta britânica, em tradução livre), de Paul Lewis e Rob Evans, em apenas uma noite.

"Os cabelos da nuca se eriçavam enquanto eu lia o livro. O jeito como as relações se desenvolviam… todos os homens tinham o mesmo passado de algum trauma de infância, uma família distante, uma espécie de crise nervosa, e depois desapareciam."

"Todas essas mulheres ou eram militantes de causas ambientais, de direitos dos animais, ou de partidos de esquerda. Mas o que realmente mais me impressionou foi a forma como esses homens sumiam da vida das mulheres. Eu pensava, meu Deus, isso parece tanto com o que aconteceu com Carlo."


Donna contou sua história em 'Small Town Girl' ('Menina do Interior' em tradução livre)
































A verdadeira identidade de Carlo foi confirmada após uma investigação feita por uma rede de ativistas e acompanhada pelo programa Newsnight da BBC e o jornal The Guardian. A BBC não divulgou o nome desse policial para proteger sua família.

A Polícia Metropolitana de Londres, também conhecida como Scotland Yard, tem a política de não confirmar nem negar a identidade de indivíduos que supostamente agiram em condição de agente disfarçado. Mas eles admitiram que policiais infiltrados cometeram abusos e pediram desculpas às sete mulheres mencionadas no livro dos jornalistas - que tinham entrado com uma ação contra a instituição. Elas receberam indenizações após um acordo. A polícia disse que a unidade secreta tinha sido desmantelada em 2008.

Aos poucos, como se estivesse juntando peças de um quebra-cabeças, Donna foi redesenhando sua história com Carlo.

"Fiquei meio obcecada com aquela história dele não se lembrar de ter passado no meu apartamento nove meses antes de nos encontrarmos no Hyde Park. Acho que eu já estava sendo monitorada naquele ponto. Naquela visita, ele ficou sabendo como eu era politicamente porque podia ver meus livros, minha música e minha arte… Hoje eu acho que ele estava mesmo interessado em monitorar outra pessoa. Mas eu era bem sociável. Acho que seria a namorada ideal para ele, porque eu conhecia muitas pessoas ligadas a movimentos de esquerda. As pessoas confiavam em mim. Comigo, ele poderia ir para qualquer lugar e as pessoas confiariam nele."

"Fiquei com muita vergonha por ter deixado ele me enganar tanto. Fiquei particularmente envergonhada porque ele simulou que teve um colapso mental. Eu passei a vida trabalhando com saúde mental! Me senti uma completa idiota. Até questionei minhas habilidades profissionais. Toda aquela história da irmã abusada pelo pai dele, nada disso era verdade…"

"É muito cruel, muito maldoso contar uma história dessas a uma pessoa próxima, que acaba sofrendo com isso, principalmente se ela também passou por um trauma parecido. Eles simplesmente não se preocuparam com isso, queriam apenas ter uma história, que lhes permitisse sumir, desaparecer quando fosse necessário. A revelação catastrófica que levou a um final foi toda planejada. Não tenho dúvidas sobre isso."

No início de 2016, Donna McLean entrou com uma ação civil na Justiça contra a Polícia Metropolitana de Londres, dizendo ter sido vítima de abuso e tortura psicológica pela instituição.

Em março de 2022, após seis anos, o processo na Justiça terminou com uma indenização e um pedido de desculpas da polícia. Foi nessa época que Donna lançou um livro, Small Town Girl (Menina do Interior em tradução livre), em que conta sua história.

quinta-feira, 18 de março de 2021

Colados e Descolados

Fui por 25 anos membro de uma igreja que nas últimas eleições, 2018, pediu votos para deputado estadual e federal em pastores e bispos da igreja, governador João Doria, presidente Bolsonaro e senador Major Olímpio.
Não sei de onde veio tal inspiração, impossível vir de Deus. Hoje vejo membros da igreja contra o então eleito por eles João Dória, até mesmo o ícone máximo político da igreja, o ex-prefeito Marcelo Crivella o chamou de "viado". Mas não é disso que quero falar.

Antes de tudo quero me solidarizar com amigos que tenho, os quais acompanhavam e apoiavam o trabalho do senador Major Olímpio, bem como também com seus familiares e amigos.

Sem me alongar, lembro como hoje a minha decepção ao ver o pastor lá do altar declarar o apoio da igreja ao Bolsonaro, isso é bastidores, porque lá fora o partido vinculado à igreja ainda estava na campanha do Alckmin para presidente. Tal apoio causou meu rompimento com a igreja, com a igreja não com o meu Senhor e Salvador Jesus Cristo, mas isso é uma outra história.

Pensei que a liderança da igreja estava momentaneamente sem visão ao apoiar Bolsonaro e que depois cairiam na real, mas depois descobri que a visão deles estava em outros horizontes e benesses que toda grande empresa precisa de um Governo Federal.

Doria é do marketing, um verdadeiro rato, colou o BolsoDoria em 2018, mesmo sabendo de tudo que a Ditadura, idolatrada por Bolsonaro fez ao seu pai e a sua família nos anos 60.
Logo que pode, João Doria descolou do presidente e com a pandemia virou então inimigo pessoal, ao ponto de ter agora apoiadores do presidente, disfarçados de pessoas que querem trabalhar, tentando invadir sua casa.

Major Olímpio fez o mesmo caminho, não acredito que foi um aproveitador como Doria, acredito que realmente apoiava e acreditou nas balelas do Bolsonaro na campanha, bem como se identificou com seu antipetismo e ainda costurou a aproximação do vice-presidente Mourão.
Mas não foram flores, primeiro veio a impossibilidade de alguém que tem vergonha na cara em apoiar os filhos do presidente, coisa que o partido da igreja fez, e com dois deles, depois a incompatibilidade de quem tem alguma empatia com quem o elegeu e com os demais seres humanos em ficar ao lado de um presidente genocida, o qual acumula mais de 100 declarações negacionistas e/ou de descasos com a pandemia.

Major Olímpio, não negacionista e pró-vacina, eleito também com votos da igreja, contaminou-se com a covid e se foi.
Se foi descolado do presidente genocida, coisa que a igreja não conseguiu fazer até hoje.

Paz.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

2021 pode ver reformas fiscais para lidar com COVID-19, desafios ambientais e muito mais

Governos e organismos internacionais buscam preencher déficits maciços à medida que bilionários e corporações multinacionais viram sua riqueza crescer durante a pandemia em curso.


Por Scilla Alecci

Ativistas climáticos em Amsterdã se reúnem no Museumplein com suas bicicletas para andar pelo centro da cidade durante o dia global de ação climática para exigir ações climáticas em 25 de setembro de 2020.


Especialistas em justiça tributária, firmas de contabilidade e diretores de planejamento tributário de corporações em todo o mundo estão atentos a um conjunto de mudanças fiscais que podem afetar tudo, desde serviços digitais a produtos de energia e muito mais.

Além de novos impostos já em cima da mesa, alguns também veem 2021 como uma oportunidade para introduzir políticas que poderiam ajudar os governos a lidar com questões econômicas exacerbadas pela pandemia do coronavírus e reduzir a desigualdade.

O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos perguntou a especialistas tributários internacionais quais mudanças eles estão prevendo.

"Em 2021, esperamos ver uma discussão acalorada sobre como projetar os futuros sistemas tributários em nível nacional e internacional", disse ao ICIJ Tove Ryding, gerente de políticas da Rede Europeia sobre Dívida e Desenvolvimento.

"Esses debates tributários apontam para a questão muito sensível de 'quem deve pagar a conta da coroa?'", Disse Ryding. "Os níveis extremamente elevados de endividamento, bem como o fato de que muitos bilionários e corporações viram sua riqueza e lucros crescerem para novos máximos durante a crise do COVID-19, apenas tornam este debate ainda mais importante e urgente."


Recuperação COVID-19 

Em 2020, a dívida global disparou para mais de US $ 270 trilhões devido à resposta de governos e empresas à pandemia COVID-19, de acordo com o Instituto de Finanças Internacionais. E a pandemia, com seu conseqüente impacto nas finanças dos países, ainda não acabou.

Em tal contexto econômico, "a prioridade imediata deveria ser apoiar as pessoas durante a crise", disse Stuart Adam, economista do Institute for Fiscal Studies em Londres.

Os próximos passos devem ser "estimular a recuperação conforme necessário e apenas em longo prazo (bem após 2021) para lidar com os enormes déficits e dívidas que estão sendo acumulados", escreveu Adam em um e-mail para o ICIJ.

Cada país terá então que escolher a política mais adequada para ajudar no apoio, estímulo e redução do déficit. E a política fiscal é apenas uma das ferramentas disponíveis, disse Adam.

Na Ásia, por exemplo, a Malásia foi um dos países mais elogiados por sua resposta ao coronavírus, apesar de estar em meio a uma crise política no início da pandemia.

"2021 é um ano de transição da crise para a recuperação", para o país, disse o ministro das Finanças, Tengku Zafrul Abdul Aziz, de acordo com o Maybank Investment Bank Research.

Para levantar as receitas necessárias para combater a emergência de saúde, o governo da Malásia está atualmente avaliando várias medidas, incluindo a introdução de um imposto sobre bens e serviços, disse o ex-conselheiro governamental e professor da Monash University Malaysia, Jeyapalan Kasipillai.


Corporações multinacionais e serviços digitais 

"O item mais importante em 2021" é o plano de reforma tributária digital da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, de acordo com Rasmus Corlin Christensen, economista da Copenhagen Business School. E o mesmo acontece com o esquema tributário mínimo global, disse ele.

Após longas negociações, a OCDE ー que agrupa 137 países e jurisdições ー deve chegar a acordo sobre novas regras no próximo verão que introduziriam um nível mínimo de tributação corporativa em todo o mundo e garantiriam que as multinacionais paguem impostos independentemente de sua presença física, incluindo empresas de tecnologia que fornecer serviços digitais, como Google ou Facebook.

Em uma declaração em outubro passado, a OCDE reconheceu a necessidade de uma solução e disse que, como resultado da pandemia, o público tem pressionado os governos para garantir que as multinacionais "paguem sua parte justa e o façam no lugar certo."

À medida que as negociações continuam, vigilantes da justiça tributária como Ryding monitorarão se as novas regras também beneficiarão os pequenos países em desenvolvimento.


Meio Ambiente 

A Europa verá "mudanças fiscais interessantes" em 2021, disse Stefan Speck, gerente de projetos da Agência Ambiental Europeia, que apontou algumas políticas ambientais em todo o bloco.

Como parte do pacote de recuperação de US $ 881 bilhões proposto para mitigar os efeitos da pandemia, a União Europeia aprovou um chamado "imposto de plástico" sobre o plástico não reciclável.

O imposto, que financiará o plano de recuperação, "não tem nada a ver com um imposto sobre o plástico em toda a UE", explicou Speck.

Cada estado membro da UE pode escolher se vai financiá-lo tributando diretamente o setor de plásticos ou por meio de outros métodos de tributação. O valor que cada estado deve será calculado de acordo com o peso dos resíduos de embalagens plásticas não recicláveis ​​que produz.

Em um esforço para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a Holanda e Luxemburgo também decidiram implementar um imposto sobre o carbono. A Alemanha introduziu a precificação do carbono voltada para os setores de transporte e construção.


Riqueza 

Nos Estados Unidos, muitos verão se o presidente eleito Joe Biden será capaz de implementar as mudanças que ele propôs durante sua campanha: contas fiscais mais altas para grandes corporações e indivíduos ricos. O controle recente do Senado pelos democratas pode dar a ele uma "chance muito maior de sucesso", segundo o Wall Street Journal.

Enquanto isso, o professor e economista Gabriel Zucman da Universidade da Califórnia em Berkeley disse que defende dois impostos.

"Um imposto sobre lucros excedentes, sobre os lucros anormalmente altos obtidos por algumas empresas multinacionais (como a Amazon) durante a pandemia", explicou ele. No ano passado, a gigante do comércio eletrônico registrou o maior lucro em seus 26 anos de história, de acordo com a Reuters , principalmente devido a um aumento nas vendas online e nos negócios de apoio a terceiros.

E um "imposto progressivo sobre a fortuna", como o proposto em 2019 pelos senadores democratas Bernie Sanders e Elizabeth Warren para pessoas com patrimônio líquido acima de US $ 50 milhões.

O consultor do Banco Mundial Jim Brumby concorda com a necessidade de um imposto sobre a riqueza para reduzir a desigualdade e os déficits fiscais em todo o mundo em geral.

"Se já houve um tempo em que os impostos sobre a fortuna pudessem ajudar, pode ser agora", escreveu Brumby no blog do banco.

"Em vez de ver a resolução da iminente crise das finanças públicas como um problema em que 'algo tem que ceder', um imposto sobre a fortuna anualizado fornece uma maneira de atender pelo menos uma parte do problema por meio de 'alguém vai dar'."


Fonte: icij.org

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Carta histórica de Eugênio Aragão a Rodrigo Janot

A Carta Aberta foi enviada com exclusividade ao Blog do Marcelo Auler em 2016 e repercutida em vários outros Blogs e Portais, e como diz o jornalista, tem caráter de documento Histórico.

Dessa forma, ocupando um humilde brilho em meio a uma constelação, esse que vos escreve, também eterniza esse momento da História do Brasil.





Por Eugênio Aragão:


"Praecepta iuris sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere" (Ulpiano)

"Os preceitos do direitos são estes: viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu." (Ulpiano)

"Disse o Senhor Procurador-Geral da República por ocasião da posse da nova presidente do STF, Ministra Carmen Lúcia, que se tem "observado diuturnamente um trabalho desonesto de desconstrução da imagem de investigadores e de juízes. Atos midiáticos buscam ainda conspurcar o trabalho sério e isento desenvolvido nas investigações da Lava Jato".

Visto a carapuça, Doutor Rodrigo Janot. E lhe respondo publicamente, por ser esse o único meio que me resta para defender a honestidade de meu trabalho, posta em dúvida, também publicamente, pelo Senhor, numa ocasião solene, na qual jamais alcançaria o direito de resposta.

O Senhor sabe o quanto tenho sido ostensivamente crítico da forma de agir estrambólica dos agentes do Estado, perceptível, em maior grau, desde a Ação Penal 470, sob a batuta freisleriana do Ministro Joaquim Barbosa.

Aliás, antes de ser procurador-geral, o Senhor compartilhava comigo, em várias conversas pessoais, minha crítica, dirigida, até mesmo, ao Procurador-Geral da República de então, Doutor Gurgel. Lembro-me bem de suas opiniões sobre a falta de noção de oportunidade de Sua Excelência, quando denunciou o Senador Renan Calheiros em plena campanha à presidência do Senado.

Lembro-me, também, de nossa inconformação solidária contra as injustiças perpetradas na Ação Penal 470 contra NOSSO (grifo do original) amigo José Genoíno.

"Não foi uma só vez que o Senhor contou que seus antecessores sabiam da inocência de Genoíno, mas não o retiraram da ação penal porque colocaria em risco o castelo teórico do "Mensalão", como empreitada de uma quadrilha, da qual esse nosso amigo tinha que fazer parte, para completar o número".


Por sinal, conheci José Genoíno em seu apartamento, na Asa Sul, quando o Senhor e eu dirigíamos em parceria a Escola Superior do Ministério Público da União. Àquela ocasião, já era investigado, senão denunciado, por Doutor Antônio Fernando.


Admirei a sua coragem, Doutor Rodrigo, de não se deixar intimidar pelos arroubos midiáticos e jurisdicionais vindas do Excelso Sodalício. Com José Genoíno travamos interessantes debates sobre o futuro do País, sobre a necessidade de construção de um pensamento estratégico com a parceria do ministério público.


Tornou-se, esse político, então, mais do que um parceiro, um amigo, digno de ser recebido reiteradamente em seu lar, para se deliciar com sua arte culinária. De minha parte, como não sou tão bom cozinheiro quanto o Senhor, preferia encontrar, com frequência, Genoíno, com muito gosto e admiração pela pessoa simples e reta que se me revelava cada vez mais, no restaurante árabe do Hotel das Nações, onde ele se hospedava. Era nosso point.


Cá para nós, Doutor Rodrigo Janot, o Senhor jamais poderia se surpreender com meu modo de pensar e de agir, para chamá-lo de desonesto. O Senhor me conhece há alguns anos e até me confere o irônico apelido de "Arengão", por saber que não fujo ao conflito quando pressinto injustiça no ar. Compartilhei esse pressentimento de injustiça com o Senhor, já quando era procurador-geral e eu seu vice, no Tribunal Superior Eleitoral.

Compartilhei meus receios sobre os desastrosos efeitos da Lava Jato sobre a economia do País e sobre a destruição inevitável de setores estratégicos que detinham insubstituível ativo tecnológico para o desenvolvimento do Brasil. Da última vez que o abordei sobre esse assunto, em sua casa, o Senhor desqualificou qualquer esforço para salvar a indústria da construção civil, sugerindo-me que não deveria me meter nisso, porque a Lava Jato era "muito maior" do que nós.


Mas continuemos no flash-back.


Tinha-o como um amigo, companheiro, camarada. Amigo não trai, amigo é crítico sem machucar, amigo é solidário e sempre tem um ouvido para as angústias do outro.


Lutamos juntos, em 2009, para que Lula indicasse Wagner Gonçalves procurador-geral, cada um com seus meios. Os meus eram os contatos sólidos que tinha no governo pelo meu modo de pensar, muito próximo ao projeto nacional que se desenvolvia e que fui conhecendo em profundidade quando coordenador da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR, que cuidava da defesa do patrimônio público.


Ficamos frustrados quando, de última hora, Lula, seguindo conselhos equivocados, decidiu reconduzir o Doutor Antônio Fernando.


Em 2011, tentamos de novo, desta vez com sua candidatura contra Gurgel para PGR.


Na verdade, sabíamos que se tratava apenas de um laboratório de ensaio, pois, com o clamor público induzido pelos arroubos da mídia e os chiliques televisivos do relator da Ação Penal 470, poucas seriam as chances de, agora Dilma, deixar de indicar o Doutor Gurgel, candidato de Antônio Fernando, ao cargo de procurador-geral.

Ainda assim, levei a missão a sério. Fui atrás de meus contatos no Planalto, defendi seu nome com todo meu ardor e consegui, até, convencer alguns, mas não suficientes para virar o jogo.


Mas, vamos em frente.


Em 2013, quando o Senhor se encontrava meio que no ostracismo funcional porque ousara concorrer com o Doutor Gurgel, disse-me que voltaria a concorrer para PGR e, desta vez, para valer.


Era, eu, Corregedor-Geral do MPF e, com muito cuidado, me meti na empreitada. Procurei o Doutor Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, meu amigo-irmão há quase trinta anos, e pedi seu apoio a sua causa.


Procurei conhecidos do PT em São Paulo, conversei com ministros do STF com quem tinha contatos pessoais. Enquanto isso, o Senhor foi fazendo sua campanha Brasil afora, contando com o apoio de um grupo de procuradores e procuradoras que, diga-se de passagem, na disputa com Gurgel tinham ficado, em sua maioria, com ele.


Incluía, até mesmo, o pai da importação xinguelingue ( Gíria paulista: produto barato que vem da China, geralmente de baixíssima qualidade) da teoria do domínio do fato, elaborado por Claus Roxin no seu original, mas completamente deturpada na Pindorama, para se transmutar em teoria de responsabilidade penal objetiva.


Achava essa mistura de apoiadores um tanto estranha, pois eu, que fazia o trabalho de viabilizar externamente seu nome, nada tinha em comum com essa turma em termos de visão sobre o ministério público.


Como o Senhor sabe, no início de 2012, publiquei, numa obra em "homenagem" ao então Vice-Presidente da República, Michel Temer, um artigo extremamente polêmico sobre as mutações disfuncionais por que o ministério público vinha passando.

Esse artigo, reproduzido no Congresso em Foco, com o título "Ministério Público na Encruzilhada: Parceiro entre Sociedade e Estado ou Adversário implacável da Governabilidade?", quando tornado público, foi alvo de síncopes corporativas na rede de discussão @Membros.


Faltaram querer me linchar, porque nossa casa não é democrática. Ela se rege por um princípio de omertà muito próprio das sociedades secretas. Mas não me deixei intimidar.


Depois, ainda em 2013, publiquei outro artigo, em crítica feroz ao movimento corporativo-rueiro contra a PEC 37, também no Congresso em Foco, com o título "Derrota da PEC 37: a apropriação corporativa dos movimentos de rua no Brasil".


(N.R. A PEC 37, derrotada na Câmara em junho de 2013, determinava que o poder de investigação criminal seria exclusivo das polícias federal e civis, retirando esta atribuição de alguns órgãos e, sobretudo, do Ministério Público (MP).


Sua turma de apoio me qualificou de insano, por escrever isso em plena campanha eleitoral do Senhor. Só que se esqueceram que meu compromisso nunca foi com eles e com o esforço corporativo de indicar o Procurador-Geral da República por lista tríplice. Sempre achei esse método de escolha do chefe da instituição um grande equívoco dos governos Lula e Dilma.


Meu compromisso era com sua indicação para o cargo, porque acreditava na sua liderança na casa, para mudar a cultura do risco exibicionista de muitos colegas, que afetava enormemente a qualidade de governança do País.


No seu caso, pensava, a coincidência de poder ser o mais votado pela corporação e de ter a qualidade da sensibilidade para com a política extra-institucional, era conveniente, até porque a seu lado, poderia colaborar para manter um ambiente de parceria com o governo e os atores políticos.

Não foi por outro motivo que, quando me deu a opção, preferi ocupar a Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral a ocupar a Vice-Procuradoria-Geral da República que, a meu ver, tinha que ser destinada à Doutora Ela Wiecko Volkmer de Castilho, por deter, também, expressiva liderança na casa e contar com boa articulação com o movimento das mulheres. Este foi um conselho meu que o Senhor prontamente atendeu, ainda antes de ser escolhido.


Naqueles dias, a escolha da Presidenta da República para o cargo de procurador-geral estava entre o Senhor e a Doutora Ela, pendendo mais para a segunda, por ser mulher e ter tido contato pessoal com a Presidenta, que a admirava e continua admirando muito.


Ademais, Doutora Ela contava com o apoio do Advogado-Geral da União, Doutor Luís Inácio Adams. Brigando pelo Senhor estávamos nós, atuando sobre o então Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo e o amigo Luiz Carlos Sigmaringa Seixas.


Quando ouvimos boatos de que a mensagem ao Senado, com a indicação da Doutora Ela, estava já na Casa Civil para ser assinada, imediatamente agi, procurando o Ministro Ricardo Lewandowski, que, após recebê-lo, contatou a Presidenta para recomendar seu nome.


No dia em que o Senhor foi chamado para conversar com a Presidenta, fui consultado pelo Ministro da Justiça e pelo Advogado-Geral da União, pedindo que confirmasse, ou não, que seu nome era o melhor. Confirmei, em ambos os contatos telefônicos.


Na verdade, para se tornar Procurador-Geral da República, o Senhor teve que fazer alianças contraditórias, já que não aceitaria ser nomeado fora do método de escolha corporativista.


Acendeu velas para dois demônios que não tinham qualquer afinidade entre si: a corporação e eu.

Da primeira precisou de suporte para receber seus estrondosos 800 e tantos votos e, de mim, para se viabilizar num mundo em que o Senhor era um estranho. Diante do meu receio de que essa química poderia não funcionar, o Senhor me acalmou, dizendo que nós nos consultaríamos em tudo, inclusive no que se tinha a fazer na execução do julgado da Ação Penal 470, que, a essa altura, já estava prestes a transitar.


O dia de sua posse foi, para mim, um momento de vitória. Não uma vitória pessoal, mas uma vitória do Estado Democrático de Direito que, agora, teria um chefe do ministério público enérgico e conhecedor de todas as mazelas da instituição. Sim, tinha-o como o colega no MPF que melhor conhecia a política interna, não só pelos cargos que ocupara, mas sobretudo pelo seu jeitão mineiro e bonachão de conversar com todos, sem deixar de ter lado e ser direto, sincero, às vezes até demais.


Seu déficit em conhecimento do ambiente externo seria suprido com o exercício do cargo e poderia, eu, se chamado, auxiliá-lo, assim como Wagner Gonçalves ou Claudio Fonteles.


Meu susto se deu já no primeiro mês de seu exercício como procurador-geral. Pediu, sem qualquer explicação ou conversa prévia com o parceiro de que tanto precisou para chegar lá, a prisão de José Genoíno. E isso poucos meses depois de ele ter estado com o Senhor como amigo in pectore.


Eu não tenho medo de assumir que participei desses contatos. Sempre afirmei publicamente a extrema injustiça do processo do "Mensalão" no que toca aos atores políticos do PT. Sempre deixei claro para o Senhor e para o Ministro Joaquim Barbosa que não aceitava esse método de exposição de investigados e réus e da adoção de uma transmutação jabuticaba da teoria do domínio do fato.


Defendi José Genoíno sempre, porque, para mim, não tem essa de abrir seu coração (e no seu caso, a sua casa) a um amigo e depois tratá-lo como um fora da lei, sabendo-o inocente.


Tentei superar o choque, mas confesso que nunca engoli essa iniciativa do Senhor.

Acaso achasse necessário fazê-lo, deveria ter buscado convencer as pessoas às quais, antes, expressou posição oposta. E, depois, como José Genoino foi reiteradamente comensal em sua casa, nada custava, em último caso, dar-se por suspeito e transferir a tarefa do pedido a outro colega menos vinculado afetivamente, não acha?


Como nosso projeto para o País era maior do que minha dor pela injustiça, busquei assimilar a punhalada e seguir em frente, sabendo que, para terceiros, o Senhor se referia a mim como pessoa que não podia ser envolvida nesse caso, por não ter isenção.


E não seria mesmo envolvido. Nunca quis herdar a condução da Ação Penal 470, para mim viciada ab ovo, e nunca sonhei com seu cargo. Sempre fui de uma lealdade canina para com o Senhor e insistia em convencer, a mim mesmo, que sua atitude foi por imposição das circunstâncias. Uma situação de "duress", como diriam os juristas anglo-saxônicos.


Mas chegou o ano 2014 e, com ele, a operação Lava Jato e a campanha eleitoral. Dois enormes desafios. Enquanto, por lealdade e subordinação, nenhuma posição processual relevante era deixada de lhe ser comunicada no âmbito do ministério público eleitoral, no que diz respeito à Lava Jato nada me diziam, nem era consultado.


O Senhor preferiu formar uma dupla com seu chefe de gabinete, Eduardo Pelella, que tudo sabia e em tudo se metia e, por isso, chamado carinhosamente de "Posto Ipiranga". Era seu direito e, também por isso, jamais o questionei a respeito, ainda que me lembrasse das conversas ante-officium de que sempre nos consultaríamos sobre o que era estratégico para a casa.


Passei a perceber, aos poucos, que minha distância, sediado que estava fora do prédio, no Tribunal Superior Eleitoral, era conveniente para o Senhor e para seu grupo que tomava todas as decisões no tocante à guerra política que se avizinhava.

Não quis, contudo, constrangê-lo. Tinha uma excelente equipe no TSE. Fazia um time de primeira com os colegas Luiz Carlos Santos Gonçalves, João Heliofar, Ana Paula Mantovani Siqueira e Ângelo Goulart e o apoio inestimável de Roberto Alcântara, como chefe de gabinete. Não faltavam problemas a serem resolvidos numa das campanhas mais agressivas da história política do Brasil. Entendi que meu papel era garantir que ninguém fosse crucificado perante o eleitorado com ajuda do ministério público e, daí, resolvemos, de comum acordo, que minha atuação seria de intervenção mínima, afim de garantir o princípio da par conditio candidatorum.


Quando alguma posição a ser tomada era controversa, sempre a submeti ao Senhor e lhe pedi reiteradamente que tivesse mais presença nesse cenário. Fiquei plantado em Brasília o tempo todo, na posição de bombeiro, evitando que o fogo da campanha chegasse ao judiciário e incendiasse a corte e o MPE. As estatísticas são claras. Não houve nenhum ponto fora da curva no tratamento dos contendentes.


Diferentemente do que o Senhor me afirmou, nunca tive briga pessoal com o então vice-presidente do TSE. Minha postura de rejeição de atitudes que não dignificavam a magistratura era institucional.


E, agora, que Sua Excelência vem publicamente admoestá-lo na condução das investigações da Lava Jato, imagino, suas duras reações na mídia também não revelam um conflito pessoal, mas, sim, institucional. Estou certo? Portanto, nisso estamos no mesmo barco, ainda que por razões diferentes.


Passada a eleição, abrindo-se o "terceiro turno", com o processo de prestação de contas da Presidenta Dilma Rousseff que não queria e continua não querendo transitar em julgado apesar de aprovado à unanimidade pelo TSE e com as ações de investigação judicial e de impugnação de mandato eleitoral manejadas pelo PSDB, comecei, pela primeira vez, a sentir falta de apoio.


Debitava essa circunstância, contudo, à crise da Lava Jato que o Senhor tinha que dominar. As vezes que fui chamado a assinar documentos dessas investigações, em sua ausência, o fiz quase cegamente. Lembrava-me da frase do querido Ministro Marco Aurélio de Mello, "cauda não abana cachorro".


Só não aceitei assinar o parecer do habeas corpus impetrado em favor de Marcelo Odebrecht com as terríveis adjetivações da redação de sua equipe. E o avisei disso. Não tolero adjetivações de qualquer espécie na atuação ministerial contra pessoas sujeitas à jurisdição penal.

Não me acho mais santo do que ninguém para jogar pedra em quem quer que seja. Meu trabalho persecutório se resume à subsunção de fatos à hipótese legal e não à desqualificação de Fulano ou Beltrano, que estão passando por uma provação do destino pelo qual não tive que passar e, por conseguinte, não estou em condições de julgar espiritualmente.


Faço um esforço de me colocar mentalmente no lugar deles, para tentar entender melhor sua conduta e especular sobre como eu teria agido. Talvez nem sempre mais virtuosamente e algumas vezes, quiçá, mais viciadamente.


Investigados e réus não são troféus a serem expostos e não são “meliantes” a serem conduzidos pelas ruas da vila "de baraço e pregão" (apud Livro V das Ordenações Filipinas). São cidadãos, com defeitos e qualidades, que erraram ao ultrapassar os limites do permissivo legal. E nem por isso deixo de respeitá-los.


Fui surpreendido, em março deste ano, com o honroso convite da senhora Presidenta democraticamente eleita pelos brasileiros, Dilma Vana Rousseff, para ocupar o cargo de Ministro de Estado da Justiça.


Imagino que o Senhor não ficou muito feliz e até recomendou à Doutora Ela Wiecko a não comparecer a minha posse. Aliás, não colocou nenhum esquema do cerimonial de seu gabinete para apoiar os colegas que quisessem participar do ato. Os poucos (e sinceros amigos) que vieram tiveram que se misturar à multidão.


A esta altura, nosso contato já era parco e não tinha porque fazer "mimimi" para exigir mais sua atenção. Já estava sentindo que nenhum de nossos compromissos anteriores a sua posse como procurador-geral estavam mais valendo.


O Senhor estava só monologando com sua equipe de inquisidores ministeriais ferozes. Essa é a razão, meu caro amigo Rodrigo Janot, porque não mais o procurei como ministro de forma rotineira. Estive com o Senhor duas vezes apenas, para tratar de assuntos de interesse interinstitucional.

E quando voltei ao Ministério Público Federal, Doutor Rodrigo Janot, não quis mais fazer parte de sua equipe, seja atuando no STF, seja como coordenador de Câmara, como me convidou. Prontamente rejeitei esses convites, porque não tenho afinidade nenhuma com o que está fazendo à frente da Lava Jato e mesmo dentro da instituição, beneficiando um grupo de colaboradores em detrimento da grande maioria de colegas e rezando pela cartilha corporativista ao garantir a universalidade do auxilio moradia concedida por decisão liminar precária.


Na crítica à Lava Jato, entretanto, tenho sido franco e assumido, com risco pessoal de rejeição interna e externa, posições públicas claras contra métodos de extração de informação utilizados, contra vazamentos ilegais de informações e gravações, principalmente em momentos extremamente sensíveis para a sobrevida do governo do qual eu fazia parte, contra o abuso da coerção processual pelo juiz Sérgio Moro, contra o uso da mídia para exposição de pessoas e contra o populismo da campanha pelas 10 medidas, muitas à margem da constituição, propostas por um grupo de procuradores midiáticos que as transformaram, sem qualquer necessidade de forma, em "iniciativa popular".


Nossa instituição exibe-se, assim, sob a sua liderança, surfando na crise para adquirir musculatura, mesmo que isso custe caro ao Brasil e aos brasileiros.


Vamos falar sobre honestidade, Senhor Procurador-Geral da República.


A palavra consta do brocardo citado no título desta carta aberta.


O Senhor não concorda e não precisa mais concordar com minhas posições críticas à atuação do MPF.


Nem tem necessidade de uma aproximação dialógica. Já não lhe sirvo para mais nada quando se inicia o último ano de seu mandato.


Mas, depois de tudo que lhe disse aqui para refrescar a memória, o Senhor pode até me acusar de sincericídio, mas não mais, pois a honestidade (honestitas), que vem da raiz romana honor, honoris, esta, meu pai, do Sertão do Pajeú, me ensinou a ter desde pequeno. Nunca me omiti e não me omitirei quando minha cidadania exige ação.

Procuro viver com honra e, por isto, honestamente, educando seis filhos a comer em pratos Duralex, usando talheres Tramontina e bebendo em copo de requeijão, para serem brasileiros honrados, dando valor à vida simples.


Diferentemente do Senhor, não fiquei calado diante das diatribes políticas do Senhor Eduardo Cunha e de seus ex-asseclas, que assaltaram a democracia, expropriando o voto de 54 milhões de brasileiros, pisoteando-os com seus sapatinhos de couro alemão importado. Não fui eu que assisti uma Presidenta inocente ser enxovalhada publicamente como criminosa, não porque cometeu qualquer crime, mas pelo que representa de avanço social e, também, por ser mulher.


O Senhor ficou silente, apesar de tudo que conversamos antes de ser chamado a ser PGR. E ficou aceitando a pilha da turma que incendiava o País com uma investigação de coleta de prova de controvertido valor.


Eu sou o que sempre fui, desde menino que militou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro. E o Senhor? Se o Senhor era o que está sendo hoje, sinto-me lesado na minha boa fé (alterum non laedere, como fica?). Se não era, o que aconteceu?


"A Lava Jato é maior que nós"?


Esta não pode ser sua desculpa. Tamanho, Senhor Procurador-Geral da República, é muito relativo. A Lava Jato pode ser enorme para quem é pequeno, mas não é para o Senhor, como espero conhecê-lo. Nem pode ser para o seu cargo, que lhe dá a responsabilidade de ser o defensor maior do regime democrático (art. 127 da CF) e, devo-lhe dizer, senti falta de sua atuação questionando a aberta sabotagem à democracia. Por isso o comparei a Pilatos. Não foi para ofendê-lo, mas porque preferiu, como ele, lavar as mãos.

Mas fico por aqui. Enquanto trabalhei consigo, dei-lhe o que lhe era de direito e o que me era de dever: lealdade, subordinação e confiança (suum cuique tribuere, não é?). E, a mim, o Senhor parece também ter dado o que entende ser meu: a acusação de agir desonestamente. Não fico mais triste. A vida nos ensina a aceitar a dor como ensinamento. Mas isso lhe prometo: não vou calar minha crítica e, depois de tudo o que o Senhor conhece de mim, durma com essa.

Um abraço sincero daquele que esteve anos a fio a seu lado, acreditando consigo num projeto de um Brasil inclusivo, desenvolvido, economicamente forte e respeitado no seio das nações, com o ministério público como ativo parceiro nessa empreitada.