quarta-feira, 20 de maio de 2020

#SleepingGiantsBrasil



No último domingo 17, subiu o perfil Sleeping Giants Brasil no Twitter. A conta chega seguindo a linha da 
Sleeping Giants desmonetizando sites mentirosos propagadores de fake news e informações preconceituosas.

Segundo matéria do El País tal ação já deixou sem publicidade sites de fake news nos Estados Unidos e também na Europa, ao ponto do seu fundador Matt Rivitz já ter sido vítima de ameaças de morte.



A tática de guerra é arrojada, quando uma empresa faz um anúncio no Google Ads, por exemplo, existe a opção "Anúncios de texto na Rede Display" onde tal anúncio será vinculado pelo buscador em alguns entre os milhares de sites, blogs ou portais nos quais jamais o anunciante imagine.

Então entra a colaboração das pessoas que detectam anúncios de empresas em sites que propagam fake news, tais colaboradores postam prints no Twitter marcando o @slpng_giants_pt .
#SleepingGiantsBrasil irá informar tal empresa de que sua marca está vinculada a uma notícia mentirosa ou preconceituosa e esses mesmos colaboradores também cobrarão publicamente a retirada do anúncio.

Diferente da tática de boicote muito solicitada por ativistas em redes sociais contra marcas e empresa que financiam o ódio e o extremismo online, a desmonetização de quem pulveriza isso se mostra bem mais promissora.

"Estou bastante cansado depois de quatro anos lutando contra a corrente, mas acredito que vale a pena e seguiremos na primeira linha de ação quando a pandemia passar para segundo plano" - diz o fundador.



Mais sobre o assunto:

https://brasil.elpais.com/icon/2020-05-17/o-homem-que-arruinou-a-extrema-direita-nos-eua.html

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-20/movimento-expoe-empresas-do-brasil-que-financiam-via-publicidade-sites-de-extrema-direita-e-que-propagam-noticias-falsas.html?ssm=FB_CC&fbclid=IwAR2RJ2EIn45nRZiGOmlbV0u6RZJ_EdxnrNnzLrrwUJyEPhdIwaLySDsD1vg 

terça-feira, 19 de maio de 2020

Bar-sonaro

Ela é mais uma vítima do negacionismo vindo do Planalto. Definitivamente o ocupante do cargo máximo da República se tornou parceiro do coronavírus.

Seus discursos, hora falando em gripezinha, hora homologando a cloroquina, passando por falsas notícias de queda de mortos ou infectados e comparando a covid-19 à outras doenças, lembra cenas de filme, filme de tiranos...

Ela, uma comerciante de Itinga do Maranhão, cidade distante cerca de 120 Km de Imperatriz na divisa do Maranhão com Tocantins.
Seu estabelecimento se chama Bar-sonaro e assim como o presidente desdenhou da pandemia.

Diferente dos comentários da extrema direita do tipo "Tem que morrer", "Bandido bom é bandido morto", "Não tem perdão"... os comentários são de votos de melhoras e orações na página que publicou o ocorrido.






Que o recado seja compartilhado, fique em casa e se cuide!


Fonte Itinga Online

segunda-feira, 4 de maio de 2020

AINDA RESTA ESPERANÇA

Recentemente, na porta do supermercado, rolava uma conversa interessante num grupo de pré-adolescentes sobre a pandemia, o isolamento social e a contaminação pelo coronavírus. Me pareceu que eles eram moradores das redondezas e estavam ali tentando arrumar algum dinheiro para ajudar em casa.

Quando eu estava próximo, ouvi um deles, que aparentava exercer liderança sobre os demais, falar muito convicto:
- A gente tem que ter cuidado com o "perdisgoto"!
Imediatamente um outro retrucou:
- Tomar cuidado como, se tem esgoto pra todo canto na favela?
Um terceiro complementou, cheio de certeza:
- Tem até gente que tem vala passando dentro da casa...e depois na favela tá tudo perto de esgoto!
Então o primeiro, indignado e aos gritos, resolveu colocar os pingos nos "is", soletrando aquela palavra difícil de entender:
- É "PER-DIS-GO-TO" PORRA! CAMBADA DE MOLEQUE BURRO!
E, abaixando a voz, resolveu explicar para o grupo, em tom quase professoral:
- "Perdisgoto" é nojento, mas não é esgoto...

Respirei aliviado. Apesar de falar a palavra de forma incorreta, ali havia alguma esperança. Disfarcei que ia pegar um carrinho para fazer compras para ouvir (bisbilhotar, na verdade) o restante da aula. E ele continuou.
- Lembram daquele moleque que mora lá naaa...naaa... que o apelido dele é chuveirinho? O apelido é porque ele fala cuspindo na gente, não é?
Rapidamente todos balançaram a cabeça positivamente. E ele continuou...
- Então, "perdisgoto" é aquele cuspe que sai da boca sem cuspir e que cai na gente quando ele fala. O tal vírus pode tá ali.

Eta moleque porreta, pensei! E já ia me afastando satisfeito com a explicação objetiva e correta, à moda dele, afinal o importante é comunicar, passar a ideia. Simplesmente maravilhoso ver como esses jovens aprendem com facilidade, mesmo diante da adversidade extrema.

Ao perceber que todos silenciaram para ouvi-lo, o jovem com ar de professor resolveu continuar sua aula pública, mais compenetrado e convicto ainda do que quando começou:
- Entenderam? "Perdisgoto" não tem nada a ver com esgoto. "Perdisgoto" faz mal pra saúde! Esgoto não (faz mal). A gente pode até se banhar que não vai acontecer nada.


Foto: Joédson Alves














Como assim, pensei? Paralisei com aquele absurdo que acabara de ouvir. E apesar da vontade imensa de me meter na conversa, resolvi escutar mais um pouco para ver haveria uma explicação lógica, mesmo que não fosse convincente, para tal afirmação. E o menino continuou a falar...e, então, disparou uma frase que soou como um golpe fatal e derradeiro na esperança que eu havia sentido poucos minutos antes, e a esperada explicação lógica veio com sua última frase:
- Vocês não viram o presidente falar?

Quase tive um treco! Demorou um pouco, mas passado o susto e avaliando melhor a situação, concluí que posso continuar acreditando que há salvação. Afinal, aquele jovem era um exemplo de que o aprendizado é muito natural e dinâmico para essa moçada. Da mesma forma que ele aprendeu que o "perdisgoto" pode transmitir o coronavírus, ao ouvir pesquisadores e professores na televisão, também aprendeu que esgoto não faz mal, ao ouvir a ignorância presidencial através da mesma televisão.
O veículo de informação foi o mesmo, embora as fontes de informação tenham sido bem diferentes e, principalmente, distintas nos seus objetivos.

Resignado, e sem alternativas viáveis naquele exato momento, tive que respirar fundo e me recuperar aos poucos. E enquanto retornava à minha realidade de classe média, pensava com meus botões e com mais convicção ainda: "É nessa juventude que nossas esperanças se renovarão. Portanto, nossa luta tem que ser por uma educação crítica e que os leve à emancipação"!


Crônica do meu primo querido Jeferson Salazar em sua página no dia a dia do Rio de Janeiro.

sábado, 4 de abril de 2020

Anos 20, o que nos espera?



















Anos 60 - Protesto
Anos 70 - Hip Hop/ Punk
Anos 80 - Vallauri, Ozi, Gitahy, Juneca, Villaça...
Anos 90 - Beautiful Losers
Anos 2000 - Cyber Graff
Anos 10 - Abraço do PPP (Poder Público Paulista)
Anos 20 - ?

Em tempos tempos,
#DitaduraNuncaMais

segunda-feira, 30 de março de 2020

Curvas



É hora de lembrar de quantos esforços e sacrifícios todos nós já fizemos contingencialmente por conta de alguma adversidade ou perda ou ainda propositalmente por força de uma economia para compra de algo importante como casa, carro, viagem, ou para pagar estudos e casamento.

Apertar o cinto para que aqueles que já estavam aqui antes de nós possam viver, possam desfrutarem de uma paisagem, mesmo que virtual.





















Mas e a economia? É a pergunta feita por todos que esquecem das suas lutas do passado. O pobre vive de luta, o rico também. Um tem reservas, e o pânico e a insônia dominam os pensamentos daquele que tem medo de perder. O outro já perdeu faz tempo, vem sempre perdendo e não adianta o falso moralismo dos poderosos, os pobres perderão tanto em quarentena como tentando trabalhar.




Nisso tudo a classe média segue seus instintos, nas redes e na tentativa das ruas, joga do lado do rico.
Num nublado horizonte há os que sigam o discurso de um forte aliado do presidente "Ser aliado não é ser alienado", e vão até a borda do poço com o "capitão" preferindo ficar em casa.
Alguns desses escrevem textões de desabafo nas redes tipo "Votei no Bolsonaro, mas...". Outros ficam em casa e se calam, acredito que para não darem munição à oposição.


A OMS dá orientações enquanto o poderoso chefinho do Planalto põe na parede seu subordinado signatário do órgão e continua fazendo suas pirraças.

E eu continuo aqui do meu quintal observando e sendo observado, curtindo e torcendo para que todos possam continuar curtindo essa paisagem, mesmo que só virtualmente.

quarta-feira, 4 de março de 2020

A justiça americana acaba de fazer da arte de rua uma arte por si só



Por Anne de Coninck
Em www.slate.fr



Um julgamento acaba de condenar a destruição do 5Pointz, uma ocupação do Queens coberto de pichações, alegando que eram obras de arte.



Os promotores tinham todo o edifício caiado da noite para o dia. | Thomas Hawk via Flickr



















Após anos de batalhas legais entre artistas e um promotor imobiliário, um julgamento proferido em 20 de fevereiro de 2020 tornou-se histórico. Foram necessárias quase trinta e duas páginas para um juiz de Nova York justificar sua decisão de conceder 6,75 milhões de dólares a artistas urbanos por obras "apagadas" por um promotor imobiliário, reconhecendo-lhes direitos idênticos aos de artistas profissionais.



"Alguns dias atrás, uma decisão de apelação condenou Jerry Wolkoff a pagar 6,75 milhões de dolares por ter branqueado os grafites do prédio industrial @5PointzNYC e destruído ilegalmente o prédio do @Meresone1".


Esse promotor decidiu recuperar e reabilitar um edifício transformado em uma ocupação artística, localizado no Queens, em Nova York.



A Fábrica Phun

Tudo começou na noite de 18 a 19 de novembro de 2013. Os Wolkoff, Jerry e seu filho David, dois promotores, enviaram capangas para lavar cerca de 20.000 metros quadrados de paredes irregulares. O edifício, uma antiga fábrica de medidores de água do final do século XIX, que foi comprado em 1970 por Jerry Wolkoff.


No começo, ele o converteu em armazéns. Então, em meados dos anos 90, com seu acordo, a fábrica abandonada foi transformada em estúdio para artistas. Quase 200 trabalham lá em uma organização, a Phun Factory, liderada por Pat Delillo. Este último procura espaços liberados para que os artistas possam morar lá e exercitar sua arte - agora reconhecida como tal.

Em 2001, a antiga fábrica, que se ergue em cinco andares, evolui para um espaço de exibição. Torna-se uma espécie de galeria informal, tanto de estúdio quanto de museu, recebendo qualquer artista que passa, sob a liderança de Jonathan Cohen, também conhecido como Meres One, ele mesmo um artista, que assume o papel de curador. Ele ajuda outras pessoas a encontrar espaços nas paredes para pintar e garante que o edifício permaneça acessível a todos os tipos de criação.




O espaço recebeu o nome de Instituto de Higher Burnin e, em seguida, 5Pointz Aerosol Art Center Inc., para se tornar 5Pointz. O número 5 representa os bairros da cidade de Nova York. Ao longo dos anos, o local se tornou mais do que apenas uma ocupação. Foi transformada em uma residência artística que despertou curiosidade e interesse que vão muito além de sua vizinhança. A ocupação se torna um dos símbolos do Queens, quase da mesma maneira que o Instituto de Arte e Recursos Urbanos se tornou, na virada do ano de 2000, o MoMA PS1, localizado a alguns quarteirões de distância.

No início de 2010, no entanto, os Wolkoff decidiram demolir os edifícios e substituí-los por torres residenciais. Seu plano é aceito pela cidade - mas eles ainda não estão autorizados a demolir o prédio existente. Eles então querem desalojar os artistas que moram lá. Em 2013, Jerry, o patriarca, decide modificar o uso das torres. Para esse fim, ele deve primeiro embranquecê-los. Mas ao longo dos anos, as paredes, sob a pulverização de aerossóis, foram cobertas com cerca de 100.000 obras - que foram listadas sem que nenhuma notificação fosse feita aos artistas.

Ele explica para se justificar: "Imaginei a tortura que seria para todos destruir as obras, peça por peça. Então eu disse a mim mesmo "vamos fazer tudo de uma vez e acabar com isso de uma vez por todas"." Alguns meses depois, ele obteve uma licença para demolir e a antiga fábrica foi demolida em setembro de 2014.



O direito dos artistas

Enquanto isso, os artistas tomaram medidas legais. Em outubro de 2013, dezessete desses fãs de graffiti queriam impedir a demolição, invocando seus direitos em nome do Visual Artist Right Act (VARA).

A Lei dos Direitos dos Artistas Visuais protege as obras contra mutilação ou modificação que danificaria a honra ou a reputação de um artista. O tribunal suspendeu temporariamente o trabalho. Mas a proibição foi suspensa um mês depois. Os promotores então correm e apagam tudo nas paredes do prédio da noite para o dia. Esta precipitação foi fatal para eles. Eles não respeitaram o prazo legal de noventa dias concedido aos artistas para retirar seus trabalhos.

Em novembro de 2017, um primeiro júri decidiu a seu favor. Ele então reconhece que as obras urbanas não são efêmeras, mas uma arte de "escopo reconhecido", uma definição nova e imprecisa engraçada, mas que impede qualquer destruição intencional.

Em fevereiro de 2018, o juiz da Suprema Corte do Brooklyn, Frederick Block, já concedeu status de arte às criações de arte de rua e concedeu aos artistas danos por sua destruição por um total de 6,75 milhões de dólares ou 150.000 para quarenta e cinco obras apagadas. A sentença é confirmada em apelação em 20 de fevereiro.



Artistas de pleno direito

Aos olhos do direito americano, os artistas de arte de rua agora são tratados em pé de igualdade com os outros. Um reconhecimento que se junta ao concedido por vinte anos por colecionadores, casas de leilão e até museus.

A mudança é dramática. Alguns anos atrás, artistas de rua rimam com vândalos usando intencionalmente meios ilegais. Depois de serem criminosos, a justiça os protege.

O juiz observou em suas conclusões: "O famoso artista urbano Banksy apareceu ao lado do presidente Barack Obama e do fundador da Apple, Steve Jobs, na lista da revista Time das 100 pessoas mais influentes do mundo". Também está trabalhando para demonstrar a importância cultural do 5Pointz, "que atraía milhares de visitantes diariamente, outros artistas às vezes famosos e desfrutava de ampla cobertura da mídia".

Esse julgamento também é muito incomum, pois foi conduzido à sua conclusão e tornado público, em um país que está acostumado a concluir esse tipo de negócio por meio de negociações associadas à proibição de tornar público os acordos entre as partes. É também, e finalmente, uma condenação inequívoca da maneira como certos promotores agem em Nova York, armando-se com falsas declarações para justificar a remoção dos artistas e a lavagem das paredes de um prédio da noite para o dia. Desta vez, os métodos de gangster não deram resultado.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

O jornal que Hitler odiava







Não foram pesquisadores alemães, mas um jornalista americano, Ron Rosenbaum, quem primeiro percebeu e divulgou a importância da luta contra Hitler por um pequeno jornal de Munique, o Münchener Post, que os nazistas chamavam de “a cozinha venenosa”. Em seu livro Para Entender Hitler, Rosenbaum escreveu que a batalha “entre Hitler e os corajosos repórteres e editores do ‘Post’ é um dos grandes dramas nunca relatados da história do jornalismo”. Eles foram, disse, os primeiros a se ‘atracar’ com o líder nazista, os primeiros a ridicularizá-lo, os primeiros a investigá-lo, a denunciar o lado avesso e sujo de seu partido, o comportamento criminoso e homicida mascarado por suas pretensões a movimento político, e foram os primeiros a tentar alertar o mundo para a natureza da besta feroz que rastejava em direção a Berlim. Foi ainda a primeira publicação a escrever sobre “a solução final” para os judeus.

Rosenbaum acrescenta que a história do Post e de seus jornalistas “nunca foi contada de verdade, sequer na Alemanha, ou talvez especialmente na Alemanha, onde é mais consolador para a autoimagem nacional acreditar que ninguém realmente sabia quem era Hitler, até ser tarde demais”, mas “os redatores do Münchener Post sabiam, eles publicaram a verdade para quem estivesse disposto a vê-la”. Em 12 anos de luta, o jornal divulgou algumas das percepções mais agudas e penetrantes do caráter, dos métodos e da mente de Hitler.

Rosenbaum explica o significado de “cozinha venenosa”. “Venenoso” era uma expressão reservada por Hitler para aqueles a quem odiava mais profundamente, era o epíteto com que se referia aos judeus: “envenenadores”. É difícil encontrar em seu vocabulário outra palavra mais carregada de ódio e aversão.

Tentativa de ignorar o passado

Depois da primeira edição do livro de Rosenbaum, em 1998, alguns pesquisadores voltaram sua atenção para o Münchener Post. A também americana Sara Twogood escreveu um longo ensaio sobre o jornal e na França foi divulgado um documentário dez anos atrás, Le Münchener Post Contre Hitler.

Recentemente, foi publicado o primeiro livro sobre o Münchener Post, intitulado A Cozinha Venenosa. A autora é a jornalista brasileira Silvia Bittencourt, que mora na Alemanha há mais de 20 anos e trabalha na Universidade de Heidelberg. O livro é uma agradável surpresa. Quando o autor desta resenha fez uma pesquisa a respeito do Süddeutsche Zeitung (SZ), de Munique, o de maior circulação e o mais liberal dos diários alemães de qualidade, não encontrou nenhuma referência ao Münchener Post. Mencionou a existência do Münchener Neueste Nachrichten, o principal jornal de Munique e concorrente do Post. Depois da Segunda Guerra Mundial, suas instalações foram utilizadas pelo SZ, que também empregou vários de seus ex-jornalistas. Ao escrever sobre a fundação do Süddeutsche Zeitung, mencionou que seu editor-chefe, Edmund Goldschagg, tinha dirigido um jornal de Munique até 1933. O que não sabia, até ler A Cozinha Venenosa, é que esse jornal era precisamente o Münchener Post.

Mas ainda hoje é chocante a ignorância na Alemanha sobre o principal inimigo de Hitler na imprensa escrita. Tanto Rosenbaum como Silvia estiveram na Altheimer Eck, a rua de Munique onde o Post tinha a sede, e não encontraram nenhum resquício dele, sequer uma placa. Ninguém o conhecia. Silvia procurou os descendentes dos principais jornalistas do Post e percebeu que também eles pouco sabiam de sua luta contra Hitler. A produção sobre o jornal continua escassa, principalmente na Alemanha. Talvez, como diz Rosenbaum, uma tentativa de ignorar um passado pouco agradável.

Tratado imposto

O Münchener Post foi fundado em 1886 ou 1887. Era um semanário de quatro páginas de pequenas dimensões que logo ficou ligado ao Partido Social Democrático (Sozialdemokratische Partei Deutschlands – SPD). Em 1890, passou a circular diariamente, à tarde, com uma tiragem de 5 mil exemplares. Mais tarde, teria oficinas próprias e seis jornalistas fixos e bem pagos, que também eram ativistas políticos. Vários deles ocupariam altos cargos na administração pública. Tornou-se um importante formador de opinião da Baviera. Passou a tirar 30 mil cópias. Posteriormente, publicaria também o semanário Bayerisches Wochenblatt. Em 1914, escreveu contra a entrada da Alemanha numa eventual guerra, mas, quando esta começou, seguiu a linha do partido, mudou de orientação e prestou uma “valiosa colaboração patriótica”, segundo o Ministério da Guerra.

Derrotada, a Alemanha atravessou um período conturbado. Um dos principais jornalistas do Post, Kurt Eisner, chegou a ser, por um curto período, ministro-presidente (governador) e chanceler da República da Baviera. Morreu assassinado a tiros. Quando outro jornalista do Post e político do SPD, Erhard Auer, fazia uma oração fúnebre por Eisner, foi também baleado, mas sobreviveu. O poder na região foi ocupado pelo Partido Popular Bávaro, conservador, que cercearia repetidas vezes a circulação do Post.

Como praticamente toda a Alemanha, o jornal ficou indignado com as condições do Tratado de Versalhes, de 1919, imposto pelos vencedores, que declarava a Alemanha culpada pela guerra, tirava todas as suas colônias, reduzia seu exército, tomava-lhe uma parte do território e impunha pesadíssimas reparações. O rigor das medidas favoreceu a ascensão do nazismo.

Duvidosa homenagem no Mein Kampf

Em abril de 1920, o Post mencionou a existência do “partido da suástica” (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães); em maio, num texto com destaque, chamava a atenção para um personagem que fazia inflamados discursos nas cervejarias e emergia na cena política – era um austríaco, um pintor fracassado, antigo cabo do exército alemão: “Na terça-feira à noite, um senhor chamado Hitler falou sobre o programa desse ‘partido’. Ele soltou as mesmas palavras e disparou os mesmos clichês que somos obrigados a ouvir nos eventos de propaganda nacionalista. Caluniou a social-democracia por sua defesa da Internacional e pregou o antissemitismo nos moldes nacionalistas.”

O Post seria o único jornal de Munique a cobrir regularmente, e cada vez com maior intensidade, o movimento nazista e as atividades de Hitler. Como diz Silvia Bittencourt, as notas publicadas eram cada vez maiores, mais frequentes e mais afiadas, criticando principalmente o antissemitismo. Numa delas, escreveu que Hitler se comportara mais como um comediante e que sua palestra, “lembrando uma cantiga, trazia a cada três frases o refrão ‘a culpa é dos hebreus’. Não há infâmia ou porcaria que não seja atribuída aos judeus”.

As notas sobre Hitler se repetiram e ele passou a provocar os repórteres do jornal nos comícios. Numa ocasião, disse que o homem do Post deveria tirar sua pele de cordeiro e sairia, daí, um burro. Atacava o jornal em suas falas e nos artigos para o Völkischer Beobachter, jornal do partido nazista. Dizia que “não se passava um dia sequer sem que o Münchener Post, uma das publicações judaicas mais imundas, manchasse e sujasse pessoas corretas”; era o “sapo judaizante da Altheimer Eck”, um “jornal judeu e marxista” e “arremessador piolhento de lama”. Ele ficou furioso com um texto provocador: “Adolf Hitler traidor?”, mostrando o descontentamento de vários de seus correligionários e questionando a origem das finanças do partido e a vida de luxo do seu líder. A partir de então, o Post ficou na mira de Hitler, que lhe prestaria a duvidosa homenagem de mencioná-lo nominalmente em sua obra Mein Kampf.

Fim dos males

Num de seus discursos, Hitler disse, dirigindo-se ao editor responsável: “Senhor Auer! O senhor e sua injeção de veneno têm grande parte da culpa pela miséria que o povo alemão vive hoje. Senhor Auer! O senhor recebeu dinheiro dos judeus do gado, o senhor se vendeu para os judeus.”

O jornal que enfrentava Hitler publicava longos textos teóricos e ensaios; tinha boas páginas culturais, mas era extremamente intelectualizado para os trabalhadores e a maioria da massa do partido. Sua pequena equipe dividia o tempo com a política, dedicando menos atenção ao jornal. Seu editor era também líder do Partido Social-Democrata da Baviera. Apesar de sua coragem e sua contundência, talvez não fosse a arma mais apropriada para a batalha. Mas foi o mais aguerrido na luta. O Post foi fechado e censurado repetidas vezes, como toda a imprensa de esquerda, por um Poder Judiciário ultraconservador, e a polícia invadiu sua sede, numa ação movida por “traição à pátria”. Mas no começo dos anos 1920 alcançaria uma tiragem de 60 mil exemplares. Ante a opacidade das finanças do partido nazista e as ligações de Hitler com a burguesia industrial, que o financiava, o Post perguntava: “O que, exatamente, ele faz para ganhar a vida?” E mostrava “como Hitler vive”.

Hitler capitalizou habilmente as dificuldades enfrentadas pela Alemanha na República de Weimar: o desemprego, a ocupação da região do Reno pelas tropas francesas, a inflação galopante – o preço de uma passagem de ônibus chegou a custar 150 bilhões de marcos e um dólar era trocado por 4,2 trilhões de marcos. Ele prometeu acabar com os males do país, que atribuía aos judeus. O número de afiliados ao partido nazista cresceu exponencialmente, assim como a fama de seu líder.

Informações confidenciais e documentos secretos

Em 1923, Hitler superestimou sua força. Tentou dar um golpe de Estado, conhecido como o “putsch da cervejaria”, com lances de ópera bufa, e fracassou. Durante os tumultos, os nazistas invadiram e destruíram as instalações do Post, o que levou o Völkischer Beobachter a escrever: “A cozinha venenosa na Altheimer Eck foi demolida”.

Julgado por alta traição, num processo que o jornal católico Bayerische Kurier qualificou como uma “catástrofe jurídica” e o Post como “túmulo da Justiça bávara”, Hitler foi condenado a cinco anos de prisão, em condições que “lembravam mais um hotel do que uma penitenciária”, que ele aproveitou para escrever Mein Kampf. The New York Times, que fazia uma boa cobertura da Alemanha, acreditou que a carreira política de Hitler estava encerrada. Foi solto, pouco mais de um ano depois, por boa conduta, refundou o partido e retomou a ascensão política meteórica, apesar de sua condição de apátrida, pois perdera a nacionalidade austríaca em 1925 sem conseguir a alemã.

No fim dos anos 1920 e começo dos 30, o Post atravessou momentos difíceis. Atingido pela crise econômica, tinha uma existência precária, agravada pelas depredações e pela contínua atitude hostil do governo bávaro, que o proibia, com frequência, de circular; seus jornalistas sofriam represálias e agressões físicas ante a complacência da polícia. Foi obrigado a diminuir o número de páginas, a tiragem caiu. Isso não impediu que o jornal aumentasse a intensidade dos ataques a Hitler, aos nacional-socialistas da cruz suástica e a seu adversário, o Völkischer Beobachter, que fora relançado e contava com mais recursos. O Post mostrou ter um incrível acesso a informações confidenciais e documentos secretos dos nazistas. Atacou também os comunistas, responsabilizando-os igualmente pela violência no país.

Ciúme doentio

Quando os nazistas tiveram um revés nas eleições de 1930, o Post subestimou seu futuro político. Mas a depressão e o desemprego decorrentes do crash da bolsa de Nova York, em 1929, levaram um grande número de alemães a depositar suas esperanças nas promessas de Hitler. Nas eleições seguintes, seu partido aumentou o número de votos, assim como os comunistas.

Para deter o avanço nazista a qualquer custo, o Post lançou o que Silvia Bittencourt considerou “a campanha mais suja de sua história”, e “desonesta e ambígua”, mas que Rosenbaum qualifica como um mergulho no coração desagradável da cultura de chantagem do partido de Hitler. Tratava-se de uma carta de um consultor jurídico do partido, Eduard Meyer, a Ernest Röhm, o chefe das forças de choque, as “camisas-pardas”, do movimento hitlerista. Nela, Meyer contava em detalhes episódios da vida homossexual de Röhm, a quem chantageou. A carta foi entregue pela noiva de Meyer ao Post, que pagou por ela e a publicou com o título “A vida sexual no Terceiro Reich”. A repercussão foi extraordinária. Röhm alegou que a carta era falsa e processou o jornal, para mais tarde retirar a queixa e pagar as custas do processo, que foi arquivado. Meyer se matou e a noiva foi condenada a oito meses de prisão. Mas o escândalo não abalou a ascensão de Hitler.

A “cozinha venenosa” também explorou o suicídio da atraente meia-sobrinha de Hitler, Geli (Angela Maria) Raubal, que morava em sua casa; ele foi, talvez, o grande amor de sua vida, mas não há provas de que fossem amantes. O Post quis saber qual era o papel de Hitler, doentiamente ciumento. Foi tão intenso o ataque do Post que Hitler ameaçou com um processo e pensou em suicídio. Mas conseguiu a cidadania alemã; em novembro de 1932, seu partido foi o mais votado e em janeiro do ano seguinte ele foi indicado para o posto de chanceler (primeiro-ministro).

Memória preservada

Em março de 1933, os nazistas invadiram de novo as instalações do Post. A maioria, escreveu um jornalista, “tinha cara de menino”. Destruíram com fúria o que encontraram, máquinas de escrever, telefones, até as torneiras das pias dos toaletes, jogaram móveis pelas janelas, fizeram uma fogueira com documentos, arrasaram as oficinas. Dessa vez, acabariam com o jornal para sempre. Os jornalistas tiveram que se esconder. Seus ataques contra Hitler tinham sido implacáveis. Eles, segundo Rosenbaum, “tinham a ficha de Hitler, tinham enxergado dentro dele (…) Eles tinham visto o Hitler dentro de Hitler e, creio, Hitler sabia que eles sabiam”. Pagaram por isso. Foi o fim de uma luta que durou doze anos.

A obra de Silvia Bittencourt, resultado de árdua pesquisa, mereceria uma ampla divulgação, principalmente na Alemanha, onde o primeiro e mais persistente opositor de Hitler é ainda praticamente ignorado.

Ao livro podem ser feitas algumas observações. O New York Herald Tribune não estava, na época, ligado ao New York Times; a ligação se daria várias décadas mais tarde, com sua edição internacional, depois de desaparecer a edição de Nova York. O livro afirma que Edmund Goldschagg, ex-editor do Post, fez sozinho o projeto do Süddeutsche Zeitung em 1945. Na verdade, o lançamento foi obra de três pessoas: Goldschagg, diretor de redação; August Schwingenstein, publisher; e Franz-Joseph Schoeningh, editor cultural, aos quais se juntaram dois ex-executivos do Münchner Neueste Nachrichten; eles foram os acionistas do jornal. A autora menciona os artigos de Konrad Heiden, correspondente em Munique do Frankfurter Zeitung. Mas, preocupada em destacar a oposição do Post, talvez não tenha dado a importância devida à posição desse jornal contra Hitler, o mais influente da época e antecessor do atual Frankfurter Allgemeine Zeitung. Antes de ser tomado pelos nazistas, era um diário liberal, independente, “a voz da razão que emanava das províncias”, segundo Peter Gay. Para Hitler, era “um jornal-víbora judeu”.

Mas nada disso diminui a importância da “cozinha venenosa”. Ao destruir seu grande inimigo, em 1933, Hitler quase conseguiu também erradicar a memória sobre ele, que só agora está sendo resgatada.

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Matías M. Molina é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo, em segunda edição